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Petrolão, favores e tucanos… O que José Dirceu, que agora pede indulto, disse a Sérgio Moro

Fausto Macedo, Ricardo Brandt e Fernanda Yoneya

O ex-ministro José Dirceu (Casa Civil) disse ao juiz federal Sérgio Moro, durante interrogatório a que foi submetido na sexta-feira, 29, que ‘não se pode dizer que escolheu e indicou Renato Duque’ para a Diretoria de Serviços da Petrobras, em 2003. “Mas também não se pode dizer que eu não tive participação (na escolha de Duque), não é da minha índole nem da minha história. Eu assumo minhas responsabilidades, mas eu só assumo as minhas responsabilidades.”

A suposta indicação de Duque pesa contra Dirceu na ação penal em que ele é réu da Operação Lava Jato por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Duque teria sido o braço do PT no esquema de propinas instalado na Petrobras, conduzido por Dirceu para o cargo estratégico. Diante do juiz Moro, o ex-ministro invocou o depoimento do ex-presidente Lula – recentemente, à Polícia Federal, Lula disse que as indicações para os cargos da Petrobras passavam pela Casa Civil, então sob comando de Dirceu.

“O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi muito claro. Ao final desse processo (de indicações) eu concordava ou não com os nomes apresentados, como é normal em qualquer governo presidencialista. Eu assumo as responsabilidades, mas as responsabilidades que eu tenho, não aquilo que eu não tenho. Essa lenda (da indicação de Duque) percorre dez anos da minha vida.”

Voz enfática – “Vou tomar por base o depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A indicação, como em todo governo, vem da base partidária, do próprio governo, de ministros, da equipe de transição. Não é uma indicação exclusiva. Isso é uma composição política, como é na Inglaterra, nos Estados Unidos, em Portugal e na Espanha está acontecendo agora. O papel da Casa Civil é receber todas as indicações, de todos os Ministérios, do primeiro escalão, de todas as empresas estatais ou autarquias para a Casa Civil analisar. Há órgãos especializados, desde a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e a própria secretaria-geral da Casa Civil que analisam os antecedentes (do indicado), a competência técnica, a história na empresa, história política, folha corrida, os interesses de forma transparente. Se for assim eu indiquei todos os ministros, todos os diretores das estatais. Tudo passa pela Casa Civil. Se for assim indiquei todos os diretores.”

O juiz Moro cortou. “Mas o sr. teve alguma participação especial (na indicação) de Renato Duque?”

“Não tive nenhuma participação especial. Só conheci o dr. Renato Duque depois que ele já estava (na Diretoria de Serviços da Petrobras). Ninguém me procurou, não assumi compromisso com ninguém sobre indicação de Renato Duque ou de Nestor Cerveró (ex-diretor de Internacional da Petrobras) ou José Eduardo Dutra (ex-presidente da Petrobras). Setores do PSDB, não vou dizer que foi o senador Aécio Neves porque ele não conversou isso comigo, não pediu isso pra mim. A informação que chegou é que havia uma indicação do PSDB em Furnas, aliás, é público e notório no País, o sr. Dimas Toledo. A indicação do sr. Renato Duque prevaleceu nesse sentido, não porque houvesse uma preferência (por ele). É porque não havia nenhuma óbice técnica com relação ao comportamento dele como indicado para a diretoria da Petrobras. Não se pode dizer que eu escolhi, que eu indiquei Renato Duque, mas também não se pode dizer que eu não tive participação, não é da minha índole, nem da minha história. Eu assumo as responsabilidades, mas só assumo as minhas. E o ex-presidente Lula foi muito claro.”

O juiz perguntou a Dirceu se depois da indicação ele manteve relacionamento com Duque. “Pouquíssimo relacionamento. Ele esteve na Casa Civil depois, um ato com vários amigos, vários empresários e diretores de estatais.”

O ex-ministro disse que foi ao casamento da filha de Duque porque suas famílias são praticamente vizinhas há muitos anos – Dirceu é nascido em Santa Rita do Passa Quatro, Minas, e Duque é da cidade de Cruzeiro, em São Paulo, cidades muito próximas.

O ex-ministro confirmou que participou de jantares com Duque enquanto ele era diretor de Serviços da Petrobras, mas negou tratar de propinas. “Nunca pedi nada ao senhor Renato Duque”, afirmou Dirceu.

“Um dos jantares, como está nos autos, participou o João Vaccari Neto, que era tesoureiro do PT, meu companheiro de partido. Mas nunca discuti nesses jantares licitações, comissões. As discussões eram politicas, sobre a empresa, do ponto de vista sobre a situação do petróleo, do País, da economia. Nunca tratei com nenhum deles comissão.”

O ex-ministro negou também que tenha participado de jantar na casa do operador de propinas Milton Pascowitch, delator da Lava Jato, para tratar de contrato das empresas Hope e Personal – contratadas da Petrobras. As empresas pagariam, segundo o delator Fernando de Moura, um “cala boca” mensal para ele de R$ 30 mil, a pedido de Duque, após o escândalo do mensalão, para que ele ficasse em silêncio.

“Não é verdade que fui a casa do senhor Milton Pascowitch, que fui discutir revalidação de contrato da Hope Personal por mais 18 meses. Não discuti isso naquele jantar, que era mais social.”

Voando de jatinho – O ex-ministro admitiu ao juiz que viajava “uma ou duas vezes” por mês em jatinhos cedidos pelo empresário Júlio Gerin Camargo, delator da Operação Lava Jato que confessou ter pago propina para o petista.

“Eu fiz uma viagem por mês ou duas, eu assumo. E ele (Júlio Camargo) nunca me cobrou por essas viagens”, disse o ex-ministro, durante interrogatório a que foi submetido na sexta-feira, 29, em Curitiba, base da Operação Lava Jato.

Em uma planilha que entregou à Justiça Federal, Júlio Camargo relacionou 113 trechos de viagens de dois jatos entre 2010 e 2011, tendo como passageiro “Jdirceu”. Segundo o delator, as horas de voo foram abatidas de um débito de R$ 1 milhão de propina que ele tinha com o esquema ligado a Dirceu.

“Não foram 113. (Júlio Camargo) me emprestava o avião e fazia questão de emprestar o avião. Eu emprestei doutor, mas não 113 viagens. Eu já pago, vou até dizer assim, perdão da expressão, esse mico, mas se o senhor olhar, cada viagem é uma viagem por mês só. É que faz duas escalas, eu fiz seis viagens. Vem de Jundiaí, que é um problema da empresa, para me pegar em São Paulo, eu fiz mais uma viagem. Aí não é possível, eu fiz 113 viagens. Aí sai manchete no Jornal Nacional que eu fiz 113 viagens.”

O juiz Sérgio Moro – que conduz os processos da Lava Jato em primeiro grau – insistiu: “Sr José Dirceu, são mais de seis viagens, né?”

O ex-ministro explicou que quando fala “seis viagens”, isso representa “uma” por causa das escalas.

“Mas foram dezenas”, insistiu o juiz da Lava Jato. “Sim. Fazia uma ou duas por mês”, disse Dirceu.

“E ele (Júlio Camargo) não cobrava nada?”, perguntou Moro. “Não senhor”, respondeu Dirceu.

O ex-ministro disse que Júlio Camargo lhe oferecia a aeronave. “Não era inusitado, muitos empresários ofereciam.”

Dirceu afirmou que o operador de propinas nunca pediu nada em troca. “Ele nunca me pediu nada, aliás ele declara isso. E eu nunca pedi nada para o doutor Renato Duque (ex-diretor de Serviços da Petrobras) ou a outro diretor da Petrobras, falar tipo ‘atenda o sr Júlio Camargo.'”

Compra de jato – O ex-ministro da Casa Civil negou ter tentado comprar parte de um dos jatos de Júlio Camargo e disse que a história de venda da aeronave “é inacreditável”.

“Uma hora eu comprei um terço, outra hora eu comprei metade, outra hora a Avanti comprou a outra metade, agora foi a Engevix que comprou”, disse Dirceu.

Segundo o ex-ministro, Júlio Camargo teria dito a ele que queria “comprar mais um ou dois aviões”. “Eu disse para ele ‘conversa com o Rui Aquino, não tenho mais nada a ver com isso.'”

Rui Aquino era um executivo do setor de aeronaves que gerenciava os jatos de Júlio Camargo. Segundo dois delatores da Lava Jato, Dirceu teria comprado indiretamente cota de um terço de um Citation, em 2011, pelo valor de R$ 1 milhão.

Casa suada – O ex-ministro também disse a Sérgio Moro, que construiu sua casa no município de Vinhedo, interior de São Paulo, com ‘poupança’ que alega ter feito do dinheiro que recebeu ‘da anistia, do salário de funcionário da Assembleia Legislativa de São Paulo, de deputado ou de presidente do PT’. “Não tive outra renda, a não ser das sessões extraordinárias no Congresso e da rescisão contratual que fiz com a presidência do PT”, afirmou durante o longo interrogatório a que foi submetido por Moro na sexta-feira, 29.

“Não vamos esquecer que o sr. Gustavo Franco (presidente do Banco Central no governo FHC) pagou 27,5% de juro real durante três anos aos poupadores desse País, portanto meu patrimônio dobrou nesses três anos”, declarou Dirceu, preso desde 3 de agosto na Operação Pixuleco, desdobramento da Lava Jato.

Na audiência, a primeira pergunta do magistrado foi sobre o patrimônio que Dirceu possui. O ex-ministro relatou os imóveis que comprou. “Eu tenho em Vinhedo (interior de São Paulo) uma residência na rua Maracaí, condomínio Santa Fé. Comprei o terreno no ano de 2000, construí a casa durante quatro anos com recurso que eu recebi da anistia, das sessões extraordinárias do Congresso, da venda de parte da propriedade da minha esposa e do acordo salarial, rescisão contratual que fiz com a presidência do PT.”

Atestado de idoneidade – Dirceu disse que recebeu um atestado de idoneidade do Fisco. “Essa residência sofreu uma devassa da Receita na Ação Penal 470 (Mensalão) e todo o meu imposto de renda anterior de cinco anos recebeu atestado de honestidade até 2006, doutor Moro.”

Descreveu o financiamento de um imóvel na Avenida República do Líbano, em São Paulo, pelo qual ainda lhe resta uma dívida de R$ 1 milhão.

O juiz pediu detalhes sobre cada item acrescido ao patrimônio do acusado. “Não tem problema, fique à vontade, vim aqui prestar esclarecimentos à Justiça.”

Diante de contradições acerca do valor de um outro imóvel, na Alameda Xingu, também em Vinhedo, o ex-ministro lamentou o fato de estar na cadeia e não poder verificar os dados pessoalmente – ele disse que comprou a casa por ‘duzentos e tantos mil reais’, mas a denúncia da Procuradoria da República afirma que o montante ultrapassou R$ 500 mil. “Eu tenho que tomar conhecimento disso. Como estou preso e totalmente sem condição, não posso ir atrás dos investigados para me informar, para obter informação.”

Nome e prestígio – O ex-ministro afirmou ao juiz que atuava para abrir mercados para empreiteiras em países como Cuba, México e Peru e que seus trabalho como consultor foi legal e não visava o enriquecimento. “Eu emprestava meu nome, meu prestígio, e orientava essas empresas. Eu não fazia um trabalho que consultor faz de cavar uma licitação, cavar um contrato”, explicou Dirceu.

“A realidade é que eu tenho uma história, doutor Moro”, afirmou Dirceu, sobre sua atuação em nome de empresas. O juiz federal da Lava Jato quis saber se o que ele fazia após deixar o governo “era uma espécie de lobby”. “Todas as minhas atividades são públicas, eu dei consultoria publicamente no Brasil e nesses países.”

O ex-ministro disse que não prestou serviços de consultoria para se enriquecer. “Eu fazia o que se faz para abrir mercados para o Brasil eu entendia que eu estava fazendo consultoria, ganhando para me defender, fazer meu blog, viajar pelo País. Eu não estava me enriquecendo, não tinha esse objetivo.”

Moro pediu detalhes sobre relatórios dos serviços prestados e prestações de contas para as empreiteiras contratadas, entre elas a Engevix, que tem dois executivos como réus na ação penal por suposto pagamento de propina ao ex-ministro via lobista Milton Pascowitch.

“Não vou dizer para o senhor que eu fazia relatórios, que eu dava um tipo de consultoria que eu não dava, porque eu vou faltar com a verdade, fazer um falso testemunho para o senhor”, afirmou Dirceu.

Indulto – Nesta segunda-feira, 1, veio a informação de que o ex-ministro José Dirceu requereu ao ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, extinção da punibilidade pelo reconhecimento do direito ao indulto na ação penal do mensalão. Condenado a 7 anos e 11 meses de prisão por crime de corrupção na Ação Penal 470, Dirceu argumenta, por meio de seus advogados, que o delito pelo qual foi punido não consta do rol do artigo 9.º do Decreto 8615/2015, que dispõe sobre os crimes que o benefício não alcança.

Os advogados do ex-ministro ressaltam que o artigo 4.º do decreto estabelece que deve ser computada ao indulto “para efeitos da integralização do requisito temporal” a remição da pena.

A defesa argumenta que um quarto da pena (24 meses) já cumprido assegura a Dirceu o indulto. O ex-ministro foi preso em 16 de novembro de 2013, ou seja, há 26 meses, destacam os criminalistas que compõem o núcleo de defesa de Dirceu – José Luís Oliveira Lima, Rodrigo Dall’Acqua e Anna Luiza Sousa, “não computados os dias remidos pelo estudo e trabalho na prisão”. “Todos os requisitos previstos estão preenchidos”, assinalam os defensores.

Dirceu cumpria prisão em regime domiciliar em Brasília, quando foi preso no dia 3 de agosto de 2015 em caráter preventivo em outro processo, da Operação Lava Jato.

Os advogados reforçam o pedido de indulto no processo do mensalão com o fato de o ex-ministro não ter cometido falta disciplinar de natureza grave no período em que esteve recolhido na Penitenciária da Papuda – como réu da Ação Penal 470. “O requerente (Dirceu) não praticou nenhuma falta disciplinar grave que o impeça de ser beneficiado.”

Os advogados pedem preferência na tramitação do pedido na Corte máxima com respaldo no Estatuto do Idoso porque Dirceu tem 69 anos de idade.

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