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Farofa na cara

Petrolino sofre com goleada esmagadora

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Fernando Frazão/ABr

Petrolino Augusto dos Anjos Filho, devoto de Nossa Senhora, tentava levar uma vida em paz, apesar do temperamento, de vez em quando, lhe saltar do peito e começar a destilar todo aquele rancor engasgado. Todavia, naquela manhã, enquanto chacoalhava um tanto de água no rosto, olhou-se no espelho e prometeu a si próprio que manteria a calma, apesar das já esperadas provocações por conta da derrota esmagadora do seu time de coração: 5 x 1, de virada, contra o maior rival.

Já em frente ao portão, aprumou-se todo antes de pisar na calçada. As pernas, teimosas, pareciam estacar. Foi preciso certo esforço mental para que Petrolino conseguisse finalmente dobrar o quarteirão e, mais algumas centenas de metros, chegar ao trabalho.

Mal entrou, foi cumprimentado pelos vastos sorrisos dos colegas, a maioria torcedora do algoz. Sério, até mesmo carrancudo, o pobre torcedor conseguiu atravessar aquele verdadeiro corredor polonês e, já na sua saleta, observou a janela. Deu uma olhadela, mas não gostou do que viu: umas cinco ou seis pessoas caminhando com as cores rivais. No entanto, para Petrolino, aquilo parecia uma multidão.

Voltou-se para sua mesa e pensou, quase em voz alta, até como uma forma de esquecer aquela humilhação: “Petrolino, foco no trabalho!” E foi justamente o que tentou fazer, apesar dos flashes que vinham e iam, vez ou outra, durante toda manhã. Tanto é que nem percebeu quando deu a hora do almoço, de tão entretido estava com um serviço prometido para dali a dois dias. Foi preciso um dos colegas avisá-lo, mas Petrolino, absorto no que fazia, respondeu que iria logo após.

Ao chegar ao restaurante de costume, percebeu o grupo do trabalho sentado à mesa de sempre. Acenou com a mão, enquanto passava pela fila do self-service. Um pouquinho de arroz, feijão, aquela saladinha no canto, um bom pedaço de carne e uma montanha de farofa. Depois foi se sentar com seus sorridentes companheiros de labuta.

A despeito das gargalhadas e dos vastos comentários sobre a devastadora vitória do time da maioria, Petrolino buscava manter o pensamento naquela iguaria diante dos seus olhos. Tentava sentir o gosto do arroz misturado ao feijão, do cabinho da alface esmagado pelos seus dentes, da carne malpassada que descia aos nacos pela goela.

Tudo parecia bem, até que o Júlio, certamente o mais exaltado, começou a puxar um coro de chacota daquela goleada histórica, que, aos olhos de Petrolino, deveria ser esquecida. Com a boca que acabara de receber uma generosa garfada de farofa, ele se levantou e começou a soltar cobras e lagartos. Aquela chuva de farofa fez com que todos ficassem embasbacados, até que a Susana, talvez a mais ponderada da mesa, olhou para Petrolino e disse: “Moço, onde você foi com essa bicicleta sem freio?”

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