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PIB brasileiro vem de povo miscigenado, de banqueiro a pedreiro

Hoje será contada a história do maior herói do Brasil. Ele não era policial, ele não era bombeiro, ele não era político, ele não era doutor, ele não era pedreiro. Seu nome é Turcão, Turcão Bicheiro.

Turcão era o retrato do Brasil miscigenado; do Brasil: branco, preto, mulato, caboclo, misturado… Todavia ele sempre dizia: “Meu maior arrependimento na vida é não ser preto e carioca”. Turcão era moreno, mais pra branco do que pra mulato.

Turcão Bicheiro da Silva era seu nome, rapaz suburbano, bem educado, gostava de andar pelas ruas sempre elegante: relógio de ouro, pulseira de ouro, anel de ouro (ou melhor, anéis de ouro, um em cada dedo mindinho), corrente de ouro (ou melhor, duas correntes de ouro, em uma um pingente de São Jorge, na outra a cruz sagrada, afinal, ele, como bom brasileiro, era “cristão” com pitadas de umbandista). Na realidade, Turcão teve o pacote completo da classe média em sua criação, apesar de humilde, era crismado e batizado na Igreja Católica, mas adorava uma gira de Umbanda. Ele gozava, em verdade, dos mesmos prazeres dos moços dos subúrbios, que acreditavam que a alegria do pobre ou era samba ou macumba.

Em sua região, ele era um cara considerado, seus cambistas o idolatravam, Turcão tinha 30 anos de idade, era um retrato de outros tempos: bigode, camisa de seda, navalha no bolso, sapato de crocodilo, .38 na cintura, ele vivia como se os anos 50 fossem eternos, no som de seu carro, a playlist que ele ouvia era composta por Nelson Gonçalves, Elizeth Cardoso, Demônios da Garoa, Clementina de Jesus, Silvio Caldas, Orlando Silva, mas também sabia apreciar o Boogie Woogie e o Funky de Tim Maia.

Turcão Bicheiro era um herói do povo, Bicheiro no nome e na profissão, ele se considerava um baiano naturalizado paulista, radicado na capital paulista nos arredores do bairro da Liberdade.

Turcão vivia a vida como um Don Corleone. Era um cara considerado por todos, temido por quem fazia coisa errada, amado por quem andava direito. Ele nunca deixou de pagar o bilhete premiado de quem apostava em suas bancas. E nunca deixou de pagar a parte que cabia a seus fiéis cambistas.

Turcão só tinha um defeito, era um sujeito passional, amava as mulheres perdidamente e causava estardalhaço por seu temperamento intenso e impulsivo, acreditem vocês (ou não), mas certa feita, ele se apaixonou por uma moça muito mais velha que ele, era uma mulher madura, de 43 anos, loira, linda, bem resolvida, um espetáculo de mulher, só havia um pequeno detalhe… Ela era casada. Já havia sido casada antes, e casara-se mais uma vez, com um sujeito, uns 7 ou 8 anos mais velho do que ela, sujeito sem graça, nunca havia se destacado em nada na vida, era Testemunha de Jeová, e tinha uma cara irretocável de corno.

Foi então que em uma madrugada fria, Turcão cometeu um dos maiores pecados de sua vida, coagiu o marido da senhora a duelar com ele, até a morte, o alvo da disputa, a loira. Antes do sujeito tentar defender sua honra, Turcão cobriu o sujeito de balas, descarregou seu .38 no pobre corno, que não teve a mínima chance de causar nem um arranhão sequer no bicheiro.

Turcão andava num Jaguar vermelho Ferrari e tinha um Opala SS amarelo com listras pretas… Mais possante do que seus carros, era a viúva loira que andava com ele.

A linda senhora que Turcão fez viúva, tornou-se a rainha do submundo ao lado de Turcão, mulher perspicaz, com dotes óbvios e alguns ocultos, como sua forma de ser ao mesmo tempo discreta e ainda assim radiante. O luto dela pelo marido morto, se misturou com o início de seu relacionamento com o bicheiro, estranha coincidência da vida né?

O amor é lindo… E melhora um homem caridoso e bem- intencionado.

Turcão era o patrono de sua área, ajudava os pobres, mendigos, desabrigados, mulheres abandonadas (sobretudo as que ele mantinha alguma espécie de romance). O bicheiro patrocinava até terreiros de umbanda e centros espíritas, pois acreditava na ajudava dos espíritos e dos Orixás para manter seus negócios sempre em marcha, onde houvesse um necessitado, ali estava Turcão.

O homem apesar de comprometido com a viúva loira, tinha muitas mulheres e vivia em bares e cabarés. Nunca se sabia quando Turcão estava fazendo negócios com alguém, ou quando ele estava se divertindo. Perguntaram ao homem, certa vez, porque ele estava sempre feliz, ao que ele respondeu “é porque estou sempre bêbado”.

A relação com a polícia sempre foi de boa vizinhança… Por incrível que pareça, nunca a polícia mexeu com ele. Misteriosos envelopes surgiam para os policiais e misteriosamente Turcão nunca era incomodado com nada relacionado à lei. Podia acontecer o que fosse, nenhum oficial da lei o enchia o saco.

Uma vez uma mulher reclamou a Turcão que seu marido estava dando trabalho há tempos com a bebida, batia nela e nos filhos, ela não sabia o que fazer, se sentia humilhada, violada. Turcão convidou o marido dela para uma viagem, da qual o marido da mulher nunca mais voltou. Porém a mulher sempre fora grata a Turcão…

O jogo era permitido em sua região. Mas drogas não. A prostituição era permita em sua região. Mas assaltos não.

Turcão rei do bicho, parecia rei do Brasil. Colocava ordem na sua localidade e impunha o respeito com rigidez.

Uma vez, bandidos desavisados entraram na casa dele para assaltá-lo, ele disse aos assaltantes, “se o interesse de vocês é em joias e dinheiro, vieram ao lugar certo”. Porém um dos assaltantes, disseram “é a casa do Turcão, pintou sujeira!”. Reconheceram o bicheiro, bateram em retirada e o mais interessante, os assaltantes, assim como o marido da viúva loira, nunca mais foram vistos por aquelas bandas. Vai saber por onde andam né?

Turcão viveu a vida, e ainda vive a vida como uma entidade viva da capital paulista… Representando o submundo boêmio de um universo que não existe senão nas sombras da realidade ignorada pela burguesia herdeira de outras burguesias desprendidas da realidade do povo e dos trabalhadores de suas fábricas e empresas.

Uma vez perguntaram a Turcão qual era a diferença entre os prêmios do jogo do bicho e o da loteria federal. Turcão respondeu de pronto “o bicheiro!”. O bicheiro é uma caricatura das próprias nuances do Brasil e do brasileiro, que confia mil vezes mais na loteria ilegal do jogo do bicho do que no jogo bancado pelo Estado.

Mas é engraçado pensar, na burocracia mais do que grande para retirar um prêmio da loteria federal, impostos, descontos, fila de banco, comprovante de endereço, gerentes, foto oficial pra deixar o ganhador do prêmio marcado pra morrer na mão de algum pistoleiro ou da nova namorada. Já no jogo do bicho, um inocente e frágil papel de extrato de aposta, se apresentado com a milhar ou grupo ou sei lá o que premiado, na banca da compra é garantia de que o apostador vai receber o prêmio. Além da garantia de que cada centavo será pago, a credibilidade do bicheiro é maior do que a de um banco suíço.

Brasil… País de grandes e interessantes histórias e mais uma vez, de estórias próprias, e que só acontecem aqui, enquanto nos Estados Unidos toda a gama possível e provável de jogos é legalizada, paga impostos e gera empregos registrados nos cassinos e afins, no Brasil, a maconha, o aborto e o jogo são ilegais, mas em contrapartida, embarcações e aeronaves são isentas de IPVA, afinal todo mundo pode comprar um jatinho ou um iate, e ninguém, absolutamente ninguém no Brasil, fuma maconha, joga no bicho ou faz um aborto.

Brasil, lindo país, país de empreendedores e heróis como Turcão, que não era policial, não era bombeiro, não era político, não era doutor e não era pedreiro. Ele era apenas Turcão, Turcão Bicheiro.

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