Ingressei no jornalismo nos anos 70 do século passado. Na época, até a relação da redação com o comercial era clara: ninguém dava pitaco na área do outro. Portanto, nada de ingerência. E ai do chefe-mor, se ousasse ir contra as normas. Na melhor das hipóteses, perderia boa parte da equipe de repórteres, redatores e editores. O único ambiente onde a escuridão reinava era o laboratório fotográfico. Como não havia o hoje sistema digital, o recurso era uma câmara escura para a revelação dos negativos. De luz, apenas uma lâmpada vermelha, semelhante àquelas de casas onde são gerados filhos sem que se conheçam os pais.
Nesse período, enquanto meus então superiores imediatos (Cláudio Coletti, Leleco e Ruy Lopes, da sucursal Brasília da Folha de S.Paulo) me chamavam de ‘bagrinho com faro de tubarão’, no Rio Grande do Sul Paulo Pimenta vivia a transição do engatinhar para o levantar-se ereto, ou seja, com os pés firmes no chão. Não creio, porém, que já se imaginaria, no futuro, jornalista que caminharia no caminho das trevas.
Parlamentar de muitos mandatos, controverso, criador de problemas que geraram, por exemplo, o Mensalão, Paulo Pimenta tem duas grandes virtudes: 1)incorporar, como protagonista, o papel de âncora de um grande telejornal para ler notícias que tentem promover a imagem do chefe; e, 2) escolher a dedo, quatro, às vezes cinco, amigos do peito. Um para fechar a tampa do caixão. Os outros, para segurarem nas alças até a cova final. Para esses, negócios lucrativos. Para os de quem já ouviu falar, as letras da lei impressas em um velho, amarelado e chamuscado papel.
Pimenta deixa muito a desejar, a aprender. Ninguém pode chutar balde de leite, independente do gênero que o produza, e sair ileso. O ministro extraordinário para assuntos de calamidade no Rio Grande do Sul (Estado que sonha governar, já provocando pesadelos nos gaúchos) está de volta a Brasília para reassumir a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Chega em meio ao escândalo, quente tipo corpo de defunto recém anunciado, da contratação de um pequeno grupo de empresas para cuidar das mídias digitais do Governo Lula 3. Como a lupa do Tribunal de Contas da União identificou aquelas famosas supostas manobras ‘para os amigos, tudo’, a licitação foi suspensa. Agora vem a Secom anunciar que decidiu cancelar o certame, promovendo, no devido tempo, outra concorrência. Espera-se que dentro da legalidade.
Depois de um período de afastamento provocado por suspeita de atos pouco republicanos (a catástrofe lá no Sul foi apenas uma mãozinha da natureza para abafar muita coisa errada), o ministro retorna ao cargo como quem volta de uma viagem longa e exaustiva. Imagens produzidas pela câmera de qualquer aparelho de telefonia celular mostram que seus olhos, vermelhos e ardendo como pimenta, não escondem o cansaço e a tensão desde que o TCU jogou água no chope da festa das agências de mídias digitais.
A imprensa – a clara, não a obscura -, sempre atenta, registra cada detalhe de sua chegada. Os fotógrafos já disputam um ângulo que registre o desgaste em seu rosto e o desconforto de sua postura, como para capturar o próprio cheiro da controvérsia que Paulo Pimenta deixa transparecer.
Fatos vivenciados ao longo dos anos permitem ilustrar o que se espera neste início de setembro. O ministro, que volta a comandar a Comunicação Social de Lula 3, vai entrar em seu gabinete sem alarde. O ar, porém, estará carregado com a culpa da desconfiança. Os funcionários vão evitar olhá-lo diretamente nos olhos, talvez temendo ver refletidos neles os fantasmas de seus próprios supostos erros apontados pelo TCU. O clima será de silêncio, interrompido apenas pelo clique suave dos teclados e pelo zumbido dos computadores.
O desenho que se espera ver trará Pimenta ligando, com um movimento ágil, o computador em sua mesa. O monitor brilha, mas o ambiente é de uma luz fria e artificial. As redes sociais vão fervilhar com comentários ácidos, memes provocativos e hashtags que mais parecem lâminas afiadas, prontas para cortar qualquer tentativa de defesa que ele possa esboçar, principalmente quando faz, por imposição de pessoas de moral, o que deveria ter feito antes: cancelar a licitação.
A cena transcorre sob suspiros. O ministro respira fundo. Ele sabe que, para sobreviver, precisa transformar esse terreno minado em um campo fértil para a imagem do governo. Ele precisa redigir a narrativa antes que ela seja escrita por jornalistas de verdade, descompromissados com a imprensa chapa-branca que vive sob os auspícios do Palácio do Planalto.
A voz de Pimenta já não é firme. Sai embargada, com a língua queimando, exigindo água como antídoto de uma malagueta mordida em hora errada. Ele sabe que precisa virar a página, mudar o discurso, mudar o estilo manchado e adotar a ética da transparência. O ministro precisa ser claro. Não é todo cesto de pescador que rende uma carga de garoupas avaliada em dois milhões de reais para um ou outro amigo.
Será triste ver, porém, que o novo discurso soará como um eco distante de tantas outras vezes em que promessas de mudança foram feitas e não cumpridas. O ministro, consciente disso, sente o peso da desconfiança nos olhares dos profissionais de Publicidade e Marketing. E, claro (clareza é tudo) no que se fala no Tribunal de Contas da União. Se a coisa continuar do jeito que está, será impossível apagar as manchas do passado. Ao contrário, é maior o risco de criar novas cicatrizes.
Pimenta precisa entender que uma virada no item mídias digitais não é nenhum colírio milagroso capaz de fazer os olhos brilharem novamente. A rede é clara, o erário é claro e caro. E confiança não se compra. Como se diz lá na cúpula do PT, o caminho da mudança, da credibilidade, é longo. O ideal, avaliam até seus amigos mais próximos, é pedir as contas, reassumir o mandato de deputado federal e ficar a um canto do plenário, em sessões vazias. Poderá até ser visto, mas jamais ser ouvido quando o tema for mídias digitais.
Paulo Pimenta não tem mais como lutar. Nem contra os fantasmas que insistem em rondar sua própria consciência.