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Yes, nós temos banana

Pirata da Perna de Pau foge e a Turma do Funil cai na folia

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto Fernando Frazão

Pouco letrado, mas muito vivido, meu avô me disse certa vez que o tempo é o melhor professor. Mesmo que não façamos boas perguntas, ele nos dará sempre as melhores respostas. Assimilei os ensinamentos do velho e, por muito tempo, fui tudo que pude. Hoje, sou tudo o que quero, inclusive politicamente incorreto quando é desnecessário ser correto. E o que é ser politicamente correto? Que me perdoem os discordantes, mas o termo nada mais é do que uma ditadura disfarçada. Didaticamente, é a renúncia aos próprios conceitos, de modo a conseguir a falsa aceitação de uma minoria que fica mal consigo para ficar bem com todos. Como escreveu Pedro Bial, na prática é uma volta ao passado, quando se acreditava que o homem era essencialmente bom. Mas, no presente, o homem é fundamentalmente mau.

O que um dia foi brindado como saída para a tolerância, a coexistência e a sabedoria acabou virando refúgio para a canalhice. Na escola primária, convivi com o Gordo, o Magrela (eu), o Branco Azedo, o Quatro Olhos, a Baixinha, a Olívia Palito, o Narigudo, a Girafa e o Negão. Eu e todos os colegas éramos zoados e ninguém reclamava de bullying. Rápidas e sem armas de fogo ou brancas, as brigas eram seguidas de um abraço e normalmente terminavam na hora da saborosa merenda caseira: pão com ovo, pão com manteiga e açúcar, banana, um naco de goiabada cascão com uma lasca de queijo ou gomos de laranja. Tudo isso regado a Ki-Suco, sem gelo, de abacaxi, framboesa ou groselha. Quente porque, na época, as lancheiras não eram térmicas. Magricela até na alma, minha bebida atendia pelo codinome Biotônico Fontoura. Nossas brincadeiras eram o bafo-bafo, a bolinha de gude e as coleções de figurinhas, selos e pipas.

Às vezes, os merecidos gritos e safanões maternos objetivavam nos tirar das ruas e não do computador ou do celular. Éramos analógicos e, por isso, hoje somos antológicos. O anúncio da televisão informava o que estava escrito nos jornais e pregado no portão: “É proibido proibir”. Sou de um tempo em que nada era proibido. Ouvi Caetano Veloso dizer – e nunca esqueci – que a única coisa proibida era proibir. Então, pergunto a meus pares que insistem nessa balela do politicamente correto: No país em que a Banda Calypso já foi preferência nacional, Chimbinha era cultuado como símbolo sexual e que o funk virou moda até na elite modorrenta e mal amada, por que minhas antigas marchinhas estão canceladas? Amanhã é Carnaval e como irei para a Folia da Saudade se não posso mais cantá-las?

Se falta criatividade a quem vê maledicência nas letras dessas marchinhas, o problema é psiquiátrico. Eu sou pragmático e, por essa razão, morro de rir quando me imagino acusado de desrespeitar o que sempre respeitei. Por exemplo, não associo a música Me dá um dinheiro aí a assaltos. O teu cabelo não nega só é racismo para quem é racista. Brincadeira de mau gosto é alguém vincular homofobia à marchinha Cabeleira do Zezé. Mais absurda é a reação dos Alcoólicos Anônimos a Você pensa que cachaça é água. Não quero saber se os Black Blocs usavam Máscara Negra, tampouco se Chacrinha fazia apologia gay ao cantar Maria Sapatão. Pior é entender como calúnia eu, carioca da gema, cantarolar Cidade Maravilhosa. Se é assédio gritar no salão Vou beijar-te agora, imagina Você tem que me dar seu coração. É crime passional. Em época de deboche com o genocídio dos Yanomami, talvez seja extorsão sofejar Índio quer apito, se não der, pau vai comer.

Na fase crítica dos enta, não me incomodo quando um daqueles gaiatos chatos cantam ao meu lado que A pipa do vovô não sobe mais. É bullying? Claro que não. É a mais pura verdade. Uma pena tudo isso. A vida, o Carnaval e os amigos dos amigos ficaram aporrinhantes com a demagogia gratuita do politicamente incorreto. Se a ideia é facilitar a convivência em sociedade, pensemos diferente e não sejamos verdugos de nós mesmos. Incorreção é torcer ou nada fazer contra aqueles que vandalizam bens públicos, é apoiar os que buscam o poder a qualquer custo, é substituir expressões apenas para agradar. Incorreto é rotular de empreendedor quem vive de bico, denominar de trabalho informal o subemprego e trocar fim de direito por flexibilização. Aí pode? Que esperneiem, pois eu quero é me afogar. Sassaricando, vou carnavalizar com a Aurora e com minha Mulata bossa nova. Mamãe eu quero é a Turma do Funil. Daqui não saio. Ô abre alas que eu quero passar. O pirata da perna de pau fugiu. Yes, nós temos bananas.

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