O outro Alberto
Pirenópolis vira refúgio de quem teme uma sova, a começar na ponta do nariz
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emVovó gostava de contar para todos como seu neto favorito, justamente eu, havia nascido com o dom da inventividade. Seria eu o futuro Santos Dumont? Ao menos, sou Alberto, graças à persistência de minha mãe, contrária à ideia de papai querer o primogênito Napoleão. Napoleão? Hum! Até que sou atraído por tamanha grandiosidade.
A despeito da ligação com aquele mineirinho nascido na Fazenda Cabangu, nunca inventei nada além do que histórias, muitas delas, aliás, para me livrar de uma boa sova. Sobrevivi aos percalços da vida e, até digo sem qualquer resquício de arrependimento, que vim, vi e venci na capital do país.
Conheci muita gente em Brasília, fiz até um ou dois amigos. Um deles, o Leopoldo, sempre que me apresenta a alguém, gosta de dizer: “Este é o Alberto, o homem que aprendeu a fazer limonada com os limões que a vida lhe trouxe.” Mal sabe ele que costumo pegar a tal limonada e a vendo como groselha para os mais crédulos.
Por conta desse talento, sou costumeiramente convidado para eventos da alta sociedade. O problema é quando me deparo com gente metida a querer ser mais esperta do que eu. Acredite, pois é algo comum nesta cidade. Sem contar que, não raro, é um povo que gosta de ofender gratuitamente a figura da minha pessoa.
Estava eu numa festa regada a bons vinhos e quitutes pra lá de finos em afamado clube, quando o Pedro Henrique, proprietário de uma afamada rede de lanchonetes, aproximou-se com o dedo em riste. Além de quase senti-lo na ponta do meu delicado nariz, tive que ouvir alguns despautérios.
— Alberto, finalmente o encontrei.
— Oi, meu amigo!
— Que amigo o quê!
Surpreso por tamanha agressividade, devo ter arregalado os meus agradáveis olhos castanhos, enquanto o sujeito prosseguiu com as ofensas gratuitas.
— Você me garantiu que aquele investimento era certo, que não corria risco. Pois perdi quase seiscentos mil naquela conversa. Seu mentiroso!
— Êpa! Mentiroso, não!
— Mentiroso, sim!
— Não sou mentiroso, meu querido!
— Hum! E o que você é, então?
— Artista das inverdades!
Só não apanhei porque o meu desafeto mal conseguia parar em pé, de tão embriagado. Mesmo assim, para evitar qualquer pendenga, resolvi sair da cidade por algum tempo até que a poeira abaixe. Onde estou? É segredo, mas confio na sua discrição. Já ouviu falar em Pirenópolis?
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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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