A Comissão Especial da Câmara aprovou a chamada PEC eleitoral, que destina 41 bilhões para melhorar o desempenho do presidente Bolsonaro na campanha pela reeleição. Caso os benefícios (concedidos sob falso pretexto em um contexto real de miséria) não surtam o efeito esperado nas urnas, resta o plano B: a rejeição prévia do resultado eleitoral. Uma reunião do primeiro escalão do governo, convocada por Bolsonaro na terça passada, teve como foco o descrédito das urnas e do TSE, em fala do próprio presidente, reforçada pelo discurso de um convidado especial: o deputado Filipe Barros, relator da emenda constitucional que exige o comprovante do voto impresso e autor de outras façanhas em relação à desinformação eleitoral.
A PEC eleitoral – ou Kamikaze, dos bilhões, emergencial, os apelidos são muitos – foi aprovada rapidamente na quinta-feira, 7, assim como aconteceu em uma votação quase unânime no Senado na semana passada. Para apressar o trâmite, o presidente da Câmara, Arthur Lira, driblou um pedido de vistas da oposição, que queria postergar a votação, utilizando-se de expedientes como a leitura do relatório a ser votado à meia-noite e uma sessão fake de 1 minuto às 6h30 da manhã na Câmara.
Entendo que não é fácil negar benefícios sociais em um país que passa fome. Mas concordo com José Serra, o único senador a votar contra a PEC, quando ele diz que “quem rasga a Constituição, em um dia, noutro rasga direitos”. A rasteira na legislação eleitoral, assim como as falsas dúvidas sobre a integridade do processo eleitoral, podem ser mais perversas, atacando diretamente a democracia, como mostra o exemplo dos Estados Unidos. Envenenados por Trump, até hoje mais da metade dos republicanos acham que ele venceu Biden, ou seja, não mais acreditam nas eleições. A desinformação – veículo da trapaça – interrompeu a possibilidade do debate democrático.
No Brasil temos mais um ingrediente explosivo nessa equação: a adesão de boa parte da elite militar à estratégia fraudulenta de Bolsonaro. Atentos ao risco golpista, seis deputados democratas dos Estados Unidos apresentaram uma emenda ao orçamento anual de defesa de seu país, condicionando a ajuda financeira às Forças Armadas brasileiras a uma investigação sobre a participação dos militares nos ataques ao sistema eleitoral brasileiro. Entre os pontos que recomendam o governo americano investigar estão a interferência na contagem de votos, a manipulação para tentar reverter o resultado e a participação em campanhas de desinformação para questionar o sistema eleitoral.
Pelo som das tropas e dos trapaceiros, vamos mesmo precisar de apoio internacional além de uma ampla mobilização por aqui em defesa dos jornalistas e de combate à desinformação. Na mesma quinta, 7, um conjunto de mais de 90 organizações da sociedade civil lançou um documento cobrando das big techs medidas de enfrentamento à desinformação nas eleições. As entidades – que atuam em diversos setores – também fizeram mais de 20 recomendações para a detecção e combate à desinformação, ao negacionismo ambiental e climático e discursos de ódio, além de trazer orientações específicas para coibir racismo contra pessoas negras e indígenas e violência dirigida contra mulheres e LGBTQIA +. Além de organizações e redes como Abong, Coalizão Direitos na Rede, Coalizão Negra por Direitos, Observatório do Clima, Conectas, também a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) participa da iniciativa, que traz sugestões de medidas concretas e viáveis para as plataformas.
Os que se dizem democratas, como Google e Facebook, deveriam ouvi-los.