O Ministério Público e o Judiciário não querem deixar que o Palácio do Planalto abafe o ‘tratoraço’ denunciado pelo Estadão. Trata-se de uma verba secreta, estimada entre 2 e 3 bilhões de reais, que o presidente Jair Bolsonaro destinou a parlamentares em troca de apoio no Congresso.
O próprio Estadão anuncia nesta quarta, 19, que a área técnica do Tribunal de Contas da União vai apurar a forma como o Ministério do Desenvolvimento Regional e a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) usaram R$ 2 bilhões das emendas de relator-geral do Orçamento de 2020 em contratos com empresas privadas. O subprocurador-geral da República junto ao TCU Lucas Furtado representou ao tribunal pedindo a apuração.
O orçamento secreto é um esquema montado pelo governo Jair Bolsonaro em 2020 para beneficiar deputados federais e senadores com a indicação da destinação de dinheiro das emendas de relator-geral, em troca de apoio no Congresso Nacional. Ao contrário das emendas individuais, de bancada e de comissões, o valor das emendas de relator foi distribuído de forma desigual entre os políticos, de modo a beneficiar aliados do governo. Diferentemente do que acontece com outros tipos de emendas, estes recursos foram destinados mediante acordos secretos, sem que se saiba qual político indicou o quê.
No total, os parlamentares decidiram onde o Executivo deveria aplicar R$ 20,1 bilhões de reais em 2020. Deste total, R$ 8,3 bilhões foram destinados ao Ministério do Desenvolvimento Regional e a empresas estatais ligadas a ele, como a Codevasf. A maior parte foi repassada a municípios, mas cerca de R$ 2 bilhões foram destinados a empresas privadas. É sobre esta parcela dos recursos que vai se concentrar a apuração do TCU.
No texto da representação, Furtado diz que é necessário apurar o destino da parcela dos recursos destinadas às empresas privadas.
“O capítulo que se inicia agora é a identificação das empresas beneficiárias de contratos para fornecimento de equipamentos com recursos oriundos do chamado “orçamento paralelo” (…), empresas essas que supostamente estariam incorrendo em possíveis fraudes e superfaturamentos”, diz um trecho do texto.
Segundo o subprocurador-geral, chamam a atenção as justificativas usadas por alguns deputados e senadores para manter sob sigilo a participação nos acordos para destinação das verbas. “Diante de tão rígido e alegado sigilo com que é tratado o tema (…), não resta outra alternativa senão o aumento no rigor, na urgência e na profundidade das investigações, cabendo aos órgãos que têm por missão velar pelo bom e regular uso dos recursos públicos, envidar todos os esforços para esclarecer os fatos e circunstâncias”, escreve Furtado.
“Assim, valho-me da presente representação para, nesse momento e estágio atual de revelação de mais detalhes sobre o esquema de favorecimento de agentes públicos e atores privados por meio dos recursos das emendas RP9, requerer que sejam identificadas e punidas – após o devido exercício do contraditório – as empresas beneficiárias dos contratos para obras e fornecimento de maquinário a órgãos públicos e prefeituras, eventualmente mediante fraude em processos de contratação e prática de superfaturamento”, diz o texto, que cita reportagens do Estadão.
Nesta terça-feira, o jornal mostrou como o atual ministro da Casa Civil, o general da reserva do Exército Luiz Eduardo Ramos, participou diretamente da criação do orçamento secreto, quando era ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República. Ramos foi o responsável por resgatar o mecanismo das emendas de relator-geral, marcadas no Orçamento com o código identificador de resultado primário (RP) 9. Proposto inicialmente no relatório da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) elaborado pelo deputado Cacá Leão (PP-BA), o mecanismo foi vetado por Bolsonaro, e depois reintroduzido no projeto por Ramos.
O ministro assinou a exposição de motivos que acompanha o projeto de lei que criou a emenda chamada RP9. O texto deixa claro que foi o ministro quem propôs o projeto. “Diante do exposto, submeto a sua consideração o anexo Projeto de Lei que ‘Altera a Lei no. 13.898, de 11 de novembro de 2019, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e a execução da Lei Orçamentária em 2020 e dá outras providências”, escreveu o general ao presidente Bolsonaro.
Procurado antes da publicação da reportagem, o ministro disse que “a iniciativa da criação da RP9 foi da Comissão de Orçamento do Congresso” mesmo a reportagem tendo encaminhado os documentos que mostram o contrário. Após a publicação, o general usou o Twitter duas vezes para criticar a reportagem e acusar o jornal de ter fraudado documentos para implica-lo.
“Mais um dia q mentira é capa do Estadão. Incompetência e desespero são tamanhos q atribuem a um ministro a assinatura de um PL. Até montagem de documento vale p seguir a narrativa suja. Isso é resultado da ausência de corrupção do @jairbolsonaro P/ vender jornal tem q inventar”, escreveu num primeiro post.
Nesta quarta-feira, 19, o ministro voltou a usar as redes sociais para comentar o assunto. “A mentira não vai prosperar! Irei à Justiça em busca da verdade. Jornalistas inescrupulosos usaram meu nome de forma caluniosa para vender jornal. No Gov @jairbolsonaro não nos faltará coragem de enfrentar os que lutam diariamente com mentiras e difamações para destruir nosso Brasil”. A exposição de motivos a que o ministro se refere é parte integrante do projeto de lei encaminhado pelo Executivo ao Senado Federal.