Para quem não sabe ou não lembra, soa como exagero quando o termo holocausto é aplicado a algo que não esteja vinculado ao assassinato de cerca de 6 milhões de judeus pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. É óbvio que uma matança generalizada como a protagonizada pelos alemães comandados por Adolf Hitler jamais se repetiu na história do mundo. Não com essa proporção. Antes da assombrosa expectativa do 8 de janeiro de 2023, que era excluir da sociedade pessoas indesejáveis, oponentes políticos, juízes criteriosos e, principalmente, prostitutas, homossexuais, negros e pobres, os neonazistas brasileiros, apelidados de “patriotas”, tinham objetivos ainda mais cruéis.
Ao longo dos quatro anos em que comandaram o país, a ideia era alijar da convivência diária da aristocracia dominante, também conhecida por elite espetaculosa e criminosa, todos aqueles que pudessem fazer sombra ao neófito em assuntos presidenciais, cidadão escolhido para assegurar benesses, vantagens e poder aos poderosos, sobretudo os armados. A claríssima intenção era segregar os que incomodavam. A certeza do golpe era tanta que, com apoio da Abin do delegado pau mandado Alexandre Ramagem, havia uma lista consolidada de brasileiros que passariam a ser taxados de doentes mentais, refugos, comunistas, párias e associados ao crime organizado.
O golpe não veio, mas a clarividência dos fatos é nitidamente no sentido de que eles se achavam os donos do mundo. E quase foram. Na verdade, até hoje se acham, embora a maioria das lideranças dos patéticos conservadores de beira de cerca esteja com os dias contados. Tema tabu nos porões da patriotada, a emblemática e controvertida história da facada voltou a ecoar desfavoravelmente entre os fariseus que não contavam com a força exagerada do “esfaqueador”. Desde a época do fato, meus demônios sem rabo acreditam que o furo foi além do combinado. Daí as inesperadas consequências, incluindo os constantes desacertos intestinais.
Se a tese dos demônios plantonistas está correta, tudo indica que o descontrole da ação acabou evacuando na direção errada. Pode tê-lo transformado em mártir e ajudado a turma da extrema direita a criar um discurso novo contra os esquerdopatas “comunistas” e “assassinos”. Venceram a batalha de versões, mas perderam a guerra das verdades. Felizmente, não tiveram tempo de consolidar o Holocausto do Brasil. Por conta do que produziram na Amazônia, me parece que a região de floresta seria a escolhida para instalação de um arejado campo de concentração.
Os alijados do regime miliciano de matizes variados dividiriam o que sobrasse da Amazônia com os esquálidos e doentes yanomamis. Enfim, seria a catástrofe tropical do século 21, com pelo menos 100 anos de sigilo decretado pelo próprio beneficiário da frustrada intifada da Praça dos Três Poderes. Nicolás Maduro passaria a ser conhecido mundialmente como aprendiz de feiticeiro. Vladimir Putin talvez ascendesse ao posto de vestibulando de déspota. Sobraria para Javier Milei a função de figurinista oficial dos malucos. Fomos salvos por uma plêiade de homens sérios que vislumbravam e vislumbram na democracia o melhor sistema de governo contra desgovernados cidadãos. Se o comando da Polícia Federal (leia-se Alexandre Ramagem) agia claramente em apoio à sagrada família na proposta de sequestro da pátria, o de hoje atua exclusivamente em favor do Brasil.
É por isso que o deputado Carlo Jordy e parte do Congresso lutam para “preservar” o Legislativo do trabalho correto dos policiais federais. O que temem? Como essa parte deve à sociedade e à Justiça até o último fio de cabelo, certamente que o Anastácio (tem outro nome) não está recebendo nem sinal grátis de Wi-Fi. Por falar em cabelo, embora queiram vê-lo longe dos processos envolvendo o capetão, Alexandre de Moraes não vai deixar barato. Com ou sem novas entrevistas, Xandão alisa dia e noite a vasta careca em busca de um bom gancho para enganchar o alfaiate de Benjamin Netanyahu do pescoço ao dedão do pé esquerdo (o direito está comprometido). Lembrando uma frase famosa de Karl Marx, “a história se repete, a primeira vez como tragédia, e a segunda como farsa”. O Holocausto contra os judeus passou. Os patriotas “que estão aí atravancando meu caminho, eles passarão…/Eu passarinho”. E viva Mário Quintana.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978