A mais de 3,5 mil metros acima do nível do mar, a pesquisadora suíça Sonja Wipf se surpreendeu com a presença de uma espécie que nunca teria brotado naquela região dos Alpes, um dente-de-leão. A descoberta não foi um caso isolado. Estudo do Instituto de Pesquisas de Neve e Avalanche de Davos, na Suíça, feito em mais de 300 picos de montanhas europeias, mostrou, pela primeira vez, que as mudanças climáticas e o aquecimento global estão causando um novo fenômeno: a migração de plantas rumo aos pontos mais altos de cordilheiras até então nevadas e uma nova flora em locais antes apenas ocupados por rochas e gelo.
“Pela primeira vez conseguimos provar a relação entre migração de plantas e aquecimento do planeta”, afirmou Sonja ao Estado. Entre as novas espécies migratórias estão a arnica, a grama alpina e arbustos de amora. Elas eram inexistentes ou simplesmente raras há cem anos em locais que hoje contam com suas cores e aromas.
De acordo com os estudos realizados nos Alpes, Pirineus e outras cadeias montanhosas do Velho Continente, a migração entre 2007 e 2016 aconteceu em uma velocidade cinco vezes superior à registrada entre 1957 e 1966, um sinal de que as temperaturas em altas altitudes estão menos rigorosas ou atingem as regiões por períodos cada vez mais curtos. A constatação é de que esses picos, muitas vezes nevados, sofreram um aquecimento duas vezes superior do que a média do planeta, que observou o aumento de 1°C desde meados do século 19.
A equipe de mais de 50 pesquisadores destacou que a migração de plantas ao longo do século 21 foi mais pronunciada nos últimos 20 anos – período em que foram registrados alguns dos anos mais quentes da história. O ano de 2016 continua com a marca recorde de temperaturas desde que os dados começaram a ser colhidos de forma sistemática, em 1880; 2017 é considerado o ano mais quente sem a presença do El Niño.
Para chegar à constatação de que a migração das plantas está ligada ao aquecimento global, os cientistas compararam a vegetação presente nas mesmas áreas nos últimos 145 anos. Segundo eles, a aceleração da migração ocorreu de forma sincronizada com o aquecimento global e não houve relação com a poluição ou com a maior presença de humanos nas montanhas. A questão fundamental foi, de fato, o calor.
A arnica, por exemplo, era encontrada antes apenas na parte baixa dos Alpes e hoje pode ser vista em 14 picos, até no Monte Vago, a 3.052 metros de altitude. Ao mesmo tempo, espécies que já habitavam elevadas altitudes se proliferaram, como a Saxifraga oppositifolia, agora encontrada no pico do Dom du Mischable, a mais de 4,5 mil metros.
Para cientistas, o deslocamento das espécies pode não significar uma ampliação da biodiversidade, pois existe o risco de que as plantas locais sejam expulsas ou impedidas de florescer diante dos “invasores”. “Mesmo que a biodiversidade esteja aumentando, não é algo que necessariamente irá persistir”, disse Jonathan Lenoir, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França e um dos líderes da operação. “Em média, essas plantas são maiores e mais competitivas do que as espécies tradicionais, que estão, portanto, arriscadas de perderem seu espaço no longo prazo”, escreveram os pesquisadores. “Precisaremos de décadas para saber como a mudança climática altera a composição das espécies nos picos.”
Geleiras – Sonja conta que durante décadas os cientistas se preocuparam prioritariamente com as geleiras quando o assunto era aquecimento global. Isso porque estudos mostram que há o risco de que, até 2100, o volume total de glaciais do planeta diminua de 15% a 55%, no cenário mais otimista, e até 85%, no mais pessimista.
A preocupação é histórica. Há quase 400 anos, as paróquias francesas nos Alpes apelaram às forças divinas para frear o avanço de geleiras que ameaçavam engolir vilarejos. Mais tarde, em 1643, os habitantes de Chamonix organizaram uma procissão depois que parte da geleira local destruiu um ponto da cidade. No ano seguinte, o então bispo de Genebra assumiu a tarefa de lutar contra o gelo e passou a benzer o glacial a cada ano.
Sonja destaca que a descoberta de sua equipe revela uma nova dimensão do aquecimento global. Falar de glaciais, diz, é “relativamente simples”, pois envolve clima, neve e gelo. Mas, ao tratar de plantas, o foco das consequências das mudanças recai sobre ecossistemas inteiros. “Talvez, com isso, possamos entender o que pode, de fato, acontecer com o planeta.”