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Poder político e administração pública em um país fragmentado

Foto/Arquivo Notibras

Quando o PT ascendeu ao poder, em 2003, o Partido passou a agir como pobre em festa de rico, com todo cuidado para se mostrar comportado e educado, carregando no subconsciente o pavor da Casa Grande , das elites poderosas, da carga histórica do caudilhismo, das capitanias e camarilhas traquejadas que de um golpe poderia tirá-lo do Poder. Nasceu dessa fragilidade, por ser um partido desvinculado do poder tradicional das elites, o “republicanismo” , uma postura de conferir absoluta independência a certos órgãos do Estado que, nas grandes democracias, nunca tiveram a capacidade soberana de exercer poder político.

Os governos tradicionais que assumiram desde Sarney até FHC controlavam a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e em certo sentido a Justiça Federal através de cuidado nas nomeações de juízes nos tribunais superiores e da escolha política de Procuradores Gerais e Diretor Geral da Polícia.

Há uma diferença conceitual entre o poder político e o poder administrativo. O poder político é o único que tem legitimidade de operar Política de Estado. O poder administrativo executa a política de Estado mas jamais poderá ser a fonte dessa política, porque este não é o seu papel.

A França nos dá um exemplo admirável dessa construção de um grande Estado. Desde 1792, quando Luis XVI foi guilhotinado, a França teve doze regimes.

1.Uma República de curta duração que culminou com o Terror de Robespierre;

2.Veio em seguida, 1795,  uma espécie de República constitucional sob um Diretório que durou até 1799;

3.O Diretório foi sucedido por um Primeiro Consul, Napoleão Bonaparte;

4.Napoleão se constitui como Imperador em 1804. Seu Império termina em 1814;

5.Uma Restauração Bourbon, com Luis XVIII sucede Napoleão, com a sequência de Carlos X, os Bourbons novamente perdem o poder em 1830 em favor de seus primos, os Orleans;

6.Luis Felipe de Orleans vai de 1830 a 1848 quando acaba a Monarquia e nasce a Segunda República;

7.Luis Napoleão, sobrinho do Imperador é eleito Presidente da República, depois se alça em Imperador como Napoleão III;

8. O Segundo Império Napoleônico vai de 1852 a 1870 quando acaba na Guerra Franco Prussiana;

9.Nasce a Terceira República, a mais longa, que vai de 1870 até sua derrota vergonhosa para os nazistas erm 1940;

10.Desaparecendo a Terceira República nasce o Estado Nacional, conhecido como França de Vichy que governa apenas a metade, o sul da França, sob o Marechal Petain, que se apresenta como Chefe do Governo e não Presidente;

11.Com a derrota alemã e o fim da Segunda Guerra nasce a Quarta República de 1946 que vai até 1958, quando De Gaulle proclama seu fim; e

12. Nasce a Quinta República, a de hoje, com uma Presidência forte e um Primeiro Ministro fraco, o figurino gaullista.

Qual a razão dessa longa lista? A França sempre separou magistralmente o poder político da administração publica. O primeiro faz política, a Administração executa a política que vem do poder político.

Por essa perfeita divisão, a França sempre funcionou através de tantos regimes. A administração não se mete em política e o poder utiliza a Administração de carreira, permanente, para administrar o País sob quaisquer circunstâncias.

O Brasil do PT admitiu uma inédita fragmentação do poder político que deveria ser exclusivo do Estado e não da Administração e da Justiça, corporações cujo papel não é fazer política.

A Polícia Federal executa operações de enorme efeito político sem avisar o Governo e muito menos pedir sua autorização, o Ministério Público Federal e os Estaduais não seguem linha alguma, cada um  faz o que bem entender, interferem no trânsito das cidades, na educação e saúde, determinam fornecimento de água e luz, como se esses serviços por mágica dependessem de um despacho, pior ainda, dentro dessas corporações não há um comando ou uma linha central, cada procurador ou delegado cria seu próprio Reinado e pratica atos de administração que saem só de suas cabeças.

O Poder Judiciário já entrou definitivamente na política, cria novas leis e extingue outras, inventa jurisprudência, aplica doutrinas exógenas. Só falta fazer política externa.

Um País com as dimensões do Brasil é ingovernável com um poder completamente fragmentado e um arquipélago de ilhas de poder paralelo e ilegítimo, sem a soberania do voto popular, cada qual com sua agenda própria.

O caso do Mensalão foi emblemático, fizeram com o PT o que não se faz com um morador de rua, o Partido foi fustigado e aceitou  com atitude masoquista ser açoitado, o Juiz Relator inventou doutrinas alemãs que nunca ninguém viu antes aplicadas aqui, só foi utilizada nesse caso e depois foi para o arquivo, os tradicionais princípios garantistas de nossa jurisprudência foram para a lata do lixo, na maior democracia do mundo, o Presidente sempre cuidou de controlar a Suprema Corte para poder governar, Roosevelt chegou ao desplante de tentar aumentar o numero de Juízes de 11 para 16 para poder ter a  maioria dele, ninguém o chamou de ditador por isso.

Governo precisa ter força, a eleição dá legitimidade, o Governo não pode temer essas corporações como se fossem Estados Soberanos, um concurso publico não é titulo de nobreza e nem dá poder de Príncipe.

O caso dessa Operação Lava Jato é emblemático. O Judiciário, a Procuradoria e a Policia são independentes mas em operações e processos que tem grandes efeitos políticos, o poder eleito não pode ser acuado ou acossado ou pego de surpresa. Assim é na França, nos EUA, na Alemanha. Essa preponderância do poder eleito não é para seu proveito e sim para a governabilidade do Estado, o Estado é um valor mais amplo que o interesse de um processo, o Estado é o Pais no passado, no presente e no futuro, uma operação com a Lava Jato acua o Congresso, a Presidência, liquida empresas e empresários, causa muito mais danos que benefícios para regozijo de um salvacionismo que tem custos muito mais altos que seus eventuais benefícios.

Um País por mais democrático que seja tem que ter um poder central com autoridade maior, o Poder Execitovo corre riscos muito maiores que os outros Poderes e precisa estar mais protegido do que esses, o Poder Executivo vê o Pais como um todo, os efeitos e consequências de atos que geram repercussão em múltiplos setores.

Na França uma operação que va por exemplo prender o presidente da Total ou da Dassault não se faz sem consulta e aprovação do Presidente da Republica, exatamente porque quem pode avaliar o dano ao Estado  é o Presidente e não um juiz isolado e um delegado de policia.

Nos EUA o empresario Marc Ruch, dono da Glencore, maior trading de commodities do mundo, fugiu para a Suíça por causa de um processo fiscal de US$ 300 milhões, no qual poderia ser preso, lá ficou por anos, quando sua mulher Denise passou por Nova York e foi ameaçada de prisão, o Presidente Clinton foi avisado e baixou Ordem Executiva perdoando o débito fiscal e extinguindo o processo, na prática uma anistia fiscal especial, fez porque podia fazer, teve algumas criticas e o assunto se encerrou, Clinton julgou que uma prisão desse casal prejudicaria uma grande empresa  que mesmo estando na Suíça era vinculada aos EUA.

A Presidente Dilma deveria ter indultado todos os réus do Mensalão, o Pais sairia lucrando.

Os danos da Lava Jato vão impactar o crescimento nos próximos anos, vão levar parte das empreiteiras à quebra, perda de milhares de empregos, essas empreiteiras eram as locomotivas de muitas PPP, concessões e obras do PAC,

Empresários que não estão na Lava Jato vão deixar de fazer novos negócios porque agora tudo é perigoso e arriscado no Brasil, executivos e empresários podem ser presos as 6 da manhã sem que exista processo formado, é tudo secreto antes da prisão, como fazia a NKVD ao tempo de Stálin, criou-se um clima de terror policial entre os empresários do Pais, evidentemente que os operadores da Lava Jato não estão nem um pouco preocupados com isso, só lhes interessa o processo, o resto não é problema deles, é só do País.

Motta Araújo

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