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Poderes e verdadeiros estados estão entranhados no país

Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito, o ex-ministro Aldo Rebelo se referiu a três “estados” que administram a Amazônia Brasileira. Porém não é apenas a Amazônia que sofre desta multiplicidade de autoridades; todo País está dividido em donos para governar atividades ou territórios.

E os formais e constitucionais “três poderes” vivem apregoando, com ênfase absurda, que o “valor maior é a democracia”. Terão se acomodado num daqueles poderes que são os verdadeiros dirigentes do Brasil?

Examinemos como o Brasil se organizou e que poderes influenciaram para essa estruturação e governança dos últimos quarenta anos.

Já é sabido que o Estado Nacional Brasileiro começa a existir com a vitória da Revolução de 1930, que denominaremos, fundadora do Estado Nacional.

Com o fracasso da colonização privada das Capitanias Hereditárias, não restou ao rei D. João III outro recurso senão o de estabelecer um governo nestas terras que o Tratado de Tordesilhas lhe garantia. Fez redigir então o Regimento Régio de 17 de dezembro de 1548, com o qual Tomé de Sousa desembarca em Salvador, na Bahia, em 29 de março de 1549, com cerca de 1000 pessoas.

O primeiro estado brasileiro foi, por conseguinte, o Estado Colonial, com três órgãos em sua estrutura: (a) para administrar a defesa do Estado contra invasões estrangeiras, (b) para defesa interna com a segurança e justiça, e (c) para as finanças que zelavam principalmente pelas arrecadações e transferências de rendas para Portugal. Tudo mais estava em mãos privadas.

Os jesuítas, sob direção do Padre Manuel da Nóbrega, assumiram a educação que se confundia com a doutrinação católica. E esta educação catequética, evangelizadora, perdurou por todo período colonial, pelos reinados, chegando à Primeira República, ou seja, por quase quatro séculos.

Muitas das mazelas, que nos afligem hoje, decorrem da entrega a Deus e não ao nosso empenho, o desenvolvimento, a luta pela soberania do País, o esforço pela construção da cidadania, tudo dependendo somente de nós e não dos milagres.

Apenas uma alteração se deu na estrutura de Tomé de Sousa: a criação da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, posteriormente Ministério das Relações Exteriores, com a independência do Brasil de Portugal, em 1822.

A Revolução Fundadora do Estado Nacional tem início com a posse de Getúlio Vargas em 3 de novembro de 1930. Logo surgem o Ministério da Educação e Saúde Pública, em 14 de novembro, e o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 26 de novembro de 1930. Estava consolidada a Revolução com o primeiro passo para construção da cidadania e da colocação do trabalho em pé de igualdade com o capital, para o desenvolvimento nacional.

Estas medidas logo começariam a ser combatidas pelo poder do capital inglês, até então o verdadeiro condutor do Brasil. Este capital era o principal artífice da denominada política do “café com leite” que juntava os interesses agropecuários de São Paulo e Minas Gerais e se impunham ao restante do País.

Era o sistema exportador de produtos primários, anti-industrial, que gerava dívida para o Brasil, quer pelo câmbio para exportação e importação – para se ter uma ideia, todo petróleo era importado na forma de derivados, para os diversos usos na produção de energia, movimentação dos transportes, lubrificação de máquinas etc – quer, também, pelos encargos e dívidas contraídas junto aos bancos ingleses, para as despesas normais de funcionamento do Estado.

Em 1932, estes capitais ingleses incentivam e promovem um golpe de estado que tomou o nome de “Revolução Constitucionalista”, usando a insatisfação de paulistas e de outros rentistas fundiários brasileiros. Mas houve a reação e vitória do Estado Nacional em criação por Vargas. A Constituição que serviu de pretexto seria promulgada em 1934. Getúlio Vargas eleito pela Assembleia Presidente Constitucional do Brasil, prosseguiria na Organização do Estado Nacional Brasileiro.

É indispensável salientar que este Estado Nacional estava coerente com as tradições e a formação do Brasil. Não era, como tantos países após a descolonização, cópia das estruturas coloniais. Mas logo o mundo entra em disputa a um tempo ideológica e colonizadora. O Brasil precisava se precaver e Vargas cria um estado mais fechado e autoritário: o Estado Novo, que combaterá o fascismo na Itália e sofrerá o golpe de militares, em 1945.

A Constituição, que se elabora e promulga-se em 1946, retrocede ao pensamento dos séculos XVIII e XIX. Era uma Constituição Liberal, esquecida dos progressos sociais implantados entre 1930 e 1945.

Mas a força de Vargas, eleito pelo voto popular, em 1950, consegue dar novos e importantes passos para a soberania brasileira. Era muito para os retrógrados e oportunistas brasileiros que se articulam para outro golpe em 1954. Vargas tem a grandeza do suicídio, como arma para salvar o Brasil em desenvolvimento social e econômico.

De 1954 a 1980 o Brasil viveu a Era Vargas e se impôs como país altaneiro e em desenvolvimento diante do mundo. Em 1980 sofre outro golpe, novamente das finanças, não somente inglesas, mas estadunidenses, de reinos europeus e até do Império Japonês. Era o poder neoliberal, retrógrado, que se apossava do Brasil e boa parte do mundo atlântico.

O sucesso da Era Vargas coincidiu com a independência de países da África e da Ásia, com o desenvolvimento mundial e da incorporação de novas tecnologias no cotidiano de muitas nações. Se há um vencedor, há um vencido. E o vencido desde as grandes guerras foram as finanças, mais alargadas que as inglesas, mas sem aceitarem as marginais, as que fizeram fortuna com os crimes, universalmente motivo de ações penais dos Estados.

Mas estas finanças não aceitaram a derrota. Ainda na década de 1920 começaram, com as questões ambientais, a ocupar o noticiário e logo iniciam a aquisição de veículos de comunicação de massa, o que o farão por todo restante do século.

“Os brasileiros vêm sendo massacrados pela indoutrinação direitista, difundida por toda mídia, já que não há onde alguém possa informar-se realmente sobre como viemos a ser o que somos, sobre como se implantou a crise em que estamos afundados e sobre as alternativas políticas que se abrem para nós. Os velhos discursos de esquerda ficaram obsoletos. A velha oligarquia, montada na força do dinheiro, consolidou sua hegemonia através das eleições, nos vencendo uma vez mais” (Darcy Ribeiro, “O Brasil como Problema”, Nota do autor, 1995).

Quem nos corrompe? quem nos vence em eleições sem comprovação dos votos? quem constitui governos a margem da estrutura formal do Estado? quem, enfim, neste século XXI, é o verdadeiro dono do Brasil?

Sem dúvida são as finanças que se qualificam como apátridas. Elas já não são da aristocracia inglesa, que nos dominava no Império. Também não são as dos capitais euro-estadunidenses, que criaram o mito do comunismo que submergiu pela corrupção destes mesmos capitais. Com as desregulações da década de 1980, estas finanças incorporaram os ganhos com as drogas, o contrabando de pessoas e de bens, as corrupções em todos os níveis dos Estados Nacionais, levando-os a serem seus cúmplices, parceiros, ou subordinados.

As finanças apátridas são as proprietárias de quase todas as empresas, pelas gestoras de ativos – BlackRock, Vanguard, States Street, Fidelity, Morgan Stanley, somando trinta trilhões de dólares estadunidenses em ativos. Mas são as cinco maiores de um grupo de centenas, espalhadas por todos continentes.

Elas estão nas milícias, que governam territórios no Rio de Janeiro, nas Organizações não Governamentais, que são os grandes latifúndios na Amazônia, elas estão nos contrabandistas e nas minerações, em todo território nacional corrompendo as polícias e as forças armadas. Elas fazem parte do governo, manipulando juros e taxas de câmbio no processo de concentração de renda e riqueza. Para estas finanças apátridas não existe a repartição do poder: elas estão no executivo, no legislativo (elegendo seus representantes) e no judiciário, corrompendo em todas as instâncias.

Darcy Ribeiro ressalta a imprensa, seja a tradicional de jornais, rádios e televisão, seja a contemporânea das redes virtuais, das comunicações digitais. Elas sem dúvida estão a serviço das finanças apátridas. São importantes para que o povo não se dê conta que nada muda com seu voto, nenhuma questão terá solução no judiciário, se estiver na outra ponta o interesse das finanças apátridas, de um dos estados deste poder.

A solução é uma das formas de revolta, a formação da consciência do que ocorre no Brasil, que não é o comunismo, não são as esquerdas, os lulismos, nem mesmo os capitais nacionais, se não forem parceiros das finanças apátridas. Precisamos novamente construir nova Revolução Fundadora do Estado Nacional, como ocorreu em 1930, com as tecnologias do século XXI.

Qual modelo terá este País refundado? Será condição básica que não fraude a verdade: não há poder compartilhado, ou seja, esta invenção de três poderes harmônicos e interdependentes é história para boi dormir. Deve haver o poder nacional com a máxima participação do povo em todos processos decisórios.

A China conseguiu obter este Estado com um único Partido, onde se dão as disputas, e um sistema de Assembleias regionais e temáticas, onde são aprovadas as diretrizes e os planos de ação.

O Brasil tem os trabalhos de José Bonifácio, de Getúlio Vargas, de Darcy Ribeiro e outros pensadores para orientar a construção do Estado Nacional Brasileiro para o século XXI. Não façamos cópias inadequadas a nossa cultura. Onde está a criatividade do povo brasileiro?

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