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Poesia surge com toques mágicos, como uma varinha de condão

“Uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa”. Esse verso é o mais citado quando se fala de Gertrude Stein, escritora e poeta estadunidense. Alguns emparentam a pedra no caminho de Drummond à rosa de Gertrude. A frase foi analisada de diferentes pontos de vista. O enunciado pode estar falando de uma mulher chamada Rosa e enfatizar que ela é uma rosa, no sentido simbólico de beleza. Mas também pode sugerir que uma rosa é, na essência, uma rosa. Ou seja, uma rosa não deve ser adjetivada.

Amigo de Gertrude Stein, Pablo Picasso, um dos fundadores do cubismo, pintou um retrato de Gertrude revelando a influência das máscaras africanas – essa influência se tornará mais visível em quadros pintados a partir de 1907, como por exemplo, na pintura “Les Demoiselles d’Avignon”. Um elemento importante do cubismo são as múltiplas perspectivas. Talvez essas múltiplas perspectivas estejam implícitas na sentença: “Uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa”, ou seja, de qualquer ângulo que uma rosa seja observada sempre será uma rosa.

Parmênides de Eleia, o filosofo e poeta, sim, poeta porque Parmênides escreveu sua obra “Da Natureza” em versos hexâmetros (forma tradicional da Poesia grega). Lembremos que Homero também escreveu seus livros em versos hexâmetros. Parmênides atribuiu a sua obra à inspiração divina. No livro “Da Natureza”, Parmênides define o Ser dizendo: “O Ser é”. Isso pode parecer uma redundância, mas revela sua visão filosófica.

Analisemos a frase: “O Ser é”. Para Parmênides a frase é completa e precisa de nenhum adjetivo. Porque se dizemos que “o Ser é bom”, “o Ser é luz”, “o Ser é perfeito”, qualquer esclarecimento, qualquer qualidade que possamos acrescer à frase “O Ser é”, fará descer o Ser para o mundo do existir. Ou seja, ao dizer “o Ser é bom” estaríamos rebaixando o Ser para o mundo das formas, para o mundo da existência condicionada. Por isso só é possível dizer “O ser é”. Pleno e completo em si mesmo, o Ser não precisa de argumentações (pois as argumentações fazem que o Ser desça para o mundo do devir).

Assim como a rosa, de qualquer ângulo que o observador a veja, é uma rosa, também o Ser é sempre o Ser.

Voltando à rosa de Gertrude, intuitivamente ela percebe que “uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa”, ou seja, ela percebe a rosa na sua essência. A rosa na sua essência é uma rosa, e nada pode ser dito para acrescer elementos à sua essência. Substancialmente uma rosa é uma rosa.

Essa observação “uma rosa” tem sonoridade e revela o cerne dessa palavra. Ao dizer “rosa”, a mente associa os dados dos sentidos: imagem, cor, e também desperta emoções. Gertrude utilizava a repetição de palavras e sons para destacar e fixar a atenção.

Em “Cubismo e Fluxo do Pensamento em Gertrude Stein”, Daniella Aguiar e João Queiroz, assinalam: “Pode-se afirmar que trata-se da iconização da atenção consciente experimentada na escritura, o objeto representado, no que ela possui de qualidade mais exemplar (continuidade e mudança) – da fragmentação metonímica do cubismo analítico de Picasso (…)”

A repetição das palavras em Gertrude Stein, pode dar um resultado semelhante ao koan utilizado no Zen Budismo. Um caminho para que a mente deixe a linearidade de lado e explore novas possibilidades.

A Poesia possui, como as fadas dos contos infantis, uma varinha de condão, uma varinha mágica com o poder de modificar a percepção do mundo. E quando uma palavra é repetida em um poema, adquire um valor especial. O leitor se torna espectador dessa palavra, ou pesquisador. Alguns leitores, quando uma palavra se repete várias vezes em um poema, tentam entender o valor dessa palavra pesquisando sua etimologia e seu uso em outros textos. O verso “uma rosa é uma rosa uma rosa uma rosa”, publicado há mais de um século ainda comove, desperta o interesse do leitor. Parafraseando Gertrude podemos dizer que “um poema é um poema é um poema é um poema”.

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