Característica de quem é falso, fingido e consegue dissimular os verdadeiros sentimentos ou intenções, a hipocrisia é, na prática, a arte de exigir dos outros aquilo que a gente não pratica. Em resumo, a hipocrisia pode ser um direito meu, mas a opinião é de todos. Por isso, apesar do pesar da afirmação, é tanta hipocrisia, tanta gente vazia, tanto assunto inútil que ando com preguiça de conhecer pessoas novas. Bastam aquelas com as quais já divido aflições, alegrias, emoções e devoções. Ando incomodado, por exemplo, com o fato de estar dando murros em ponta de faca desde 1989, quando o Brasil se redemocratizou. De lá para cá nada mudou. Os fantasmas são os mesmos. Pelo menos naquela época tínhamos nomes políticos pomposos e pesados.
O tempo passou, o Brasil mudou, mas nossa preferência não evoluiu. Ela não acompanhou a evolução do país. Nossos presidenciáveis são cada vez mais aventureiros, sonhadores e deslumbrados com o poder. Brigam, xingam, esperneiam, mas não apresentam propostas de progresso, de consolidação da democracia. Falta-lhes sabedoria, sensibilidade, conhecimento acerca das necessidades do povo e, principalmente, vontade de acertar. Enquanto isso, nós, também conhecidos como eleitores, nadamos como cegos no mar revolto da mesmice política. Entramos na briga mortal por votos como se fôssemos os candidatos. Optamos por votar contra esse ou aquele e esquecemos de escolher o que é melhor para todos. Somos protagonistas somente do resultado eleitoral. Este sim nos interessa. Uma pena, pois determinante seria termos a certeza de que seremos bem representados.
Importante é a consciência limpa. Fundamental é que o Brasil volte a ser de todos. Não importa que sejam coxinhas, pão com mortadela, do bem ou do mal. São todos brasileiros e merecem ser respeitados, independentemente da religião que professam ou das cores que vestem. Votar em devaneios é o mesmo que contribuir para que eles (os candidatos) personifiquem seus nomes em detrimento de nossas agruras. O pior é que nós, batizados por eles de votantes, continuamos acreditando nas lorotas. Passados 33 anos, ainda não nos demos conta de que o fim da ditadura foi o início desse tal de polarização. Desde 89, vários candidatos se apresentam como presidenciáveis, mas, por razões alheias à vontade do eleitor, somente um ou dois chegam à primeira curva. Os demais ou têm as pernas quebradas pelos caciques dos partidos ou são obrigados a se render aos conchavos políticos.
São esses acertos que rendem dividendos econômicos após a eleição. É ou não é assim? Não fosse, como explicar essa estranha polarização em um país que conta com 32 partidos políticos registrados na Justiça Eleitoral? É um absurdo. Talvez um crime de lesa-pátria. Mas o que fazer se, mesmo sabendo que eles existem somente para tomar posse do nosso rico e suado dinheirinho, permanecemos inertes, sem reação, incapazes de gritar contra os Pes (plural da letra P) disso e Pes daquilo. Nossa inércia deixa na alma a nítida impressão de que diariamente sou enviado – somente com passagem de ida – à PQP. O pior é que normalmente vou sem reclamar. Reclamar de quem? Já tentei, mas sempre esbarro na hipocrisia dos que se locupletam com esse emaranhado de legendas.
Afinal, como dizem meus algozes, é mais um mercado de trabalho. Pois bem. Pagamos essa conta desde a reforma de 1979, quando, por critérios criados pelos políticos embromadores que mantemos como ídolos até hoje, foi instituído o pluripartidarismo. Na época, achamos que apenas duas siglas eram insuficientes. O resultado está aí. Em 1989, elegemos um cidadão metido a nordestino e fracassado cassador (assim mesmo com dois esses) de marajás. Em 2018, viramos cenário do além com a eleição de um mito. Antes, efetivamos o vice do topete, elegemos um filósofo, um operário, uma moça com lampejos administrativos questionáveis e um vice que só assumiu por falta de melhor personagem. Todos conseguiram vencer graças a anárquicas e despudoradas alianças partidárias, cuja base tinha como único critério o é dando que se recebe, isto é, que tipo de vantagens terei.
Ao longo desse período, a maioria dos eleitores esqueceu que sonhos não põem comida na mesa e que a fome só gera pesadelos. Sem conhecimento algum, há quatro anos muitos votaram no bom porque o outro era ruim. Hoje, a luta é para voltar com o ruim porque o que era bom deixou de ser. Difícil entender o ser humano. Na melhor das hipóteses, impossível saber onde a gente imagina que começa a bondade de um e onde termina a ruindade do outro. Acho que só Deus tem essa resposta. O fato é que, a poucos dias da eleição, o debate não consegue ultrapassar o nada. Quais são as propostas para recolocar o país nos trilhos? Locomotiva da composição denominada América Latina, o Brasil está bem próximo do descarrilamento. Enquanto isso, no país onde amor e ódio só andam de mãos dadas quando os interesses são comuns, o que realmente importa é escolher o presidente e já começar a torcer por 2026. Quem sabe até lá Deus ajuda e salvamos o país da explosão que se avizinha.