Fernando Capano
A taxa de letalidade relacionada à atividade policial torna a polícia de São Paulo frequente alvo de críticas e debates por parte dos especialistas e gestores públicos, ocasionando, inclusive, a implementação de medidas que têm por objetivo –ao menos em tese– reduzir tal índice, que nos três trimestres de 2016 ultrapassou a marca de 500 mortes, segundo dados oficiais da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.
O que pouco se observa, no entanto, é que a polícia que supostamente “mais mata”, é também a que “mais morre”, seja em serviço ou fora do horário habitual de trabalho, em assassinatos que se dão apenas em razão da condição funcional do envolvido.
Nos últimos anos, neste Estado, a morte de policiais tem se tornado, infelizmente, evento banal e que vai além dos números oficiais. Dados das Corregedorias das Policiais Civil e Militar apontam a morte de 61 agentes civis e militares de acordo com os números publicados mensalmente no Diário Oficial do Estado de São Paulo até novembro deste ano (os dados referem-se sempre ao mês anterior). Destes, 38 morreram durante o período de folga.
Os critérios muito específicos adotados pelos gestores públicos para quantificar mortes de policiais como morte de agente de segurança em serviço não refletem, portanto, a realidade, visto que muitas mortes de agentes ao não se enquadrar nestes critérios deixam de integrar as estatísticas.
Dois graves fatores contribuem para a alta taxa de mortes de policiais no Estado. Em primeiro lugar, estamos vivendo, especialmente nas grandes cidades, e mais ainda na região metropolitana, em regiões conflagradas, em típica situação de guerra civil. Os criminosos estão mais organizados e com potencial de letalidade cada vez maior, atirando sempre para matar, mesmo que não haja confronto. Em segundo lugar, o prestígio cada vez menor das organizações policiais é visível, sendo certo que nossos policiais trabalham em seu cotidiano com pouco respaldo legal-institucional dos nossos governantes, convivendo ainda com severas críticas de parte da opinião pública.
Dois casos, em particular, envolvendo a morte de policiais chamaram a atenção este ano. Em ambos, os profissionais estavam em seu período de folga, sendo que, vítimas de assalto, foram mortos após serem identificados como policiais pelos criminosos. Estamos mesmo em uma guerra, faltando apenas o reconhecimento oficial! Cabe ressaltar que ambos os casos não integraram os números oficiais já que não são reconhecidos como morte de agente de segurança em período de folga, e sim como morte de pessoa comum.
O alto índice de mortes de policiais não é observado em nenhum outro lugar do mundo, nem mesmo em países grandes e com numeroso contingente de policiais, como os Estados Unidos. Neste país, embora se possa criticar a gestão da segurança pública em alguns pontos, a polícia é vista como uma instituição de prestígio e pela qual o cidadão médio tem muito respeito. Para efeito de comparação, os EUA registraram, em 2014, 122 agentes mortos em todo o país. Em 2015, o número total foi de 123 mortos. Os dados são Relatório Anual da National Law Enforcement Officers Memorial Fund.
No Brasil, especialmente em São Paulo, o status social de que gozam as polícias de outros países ainda está distante. A lógica aqui parece funcionar às avessas, uma vez que o respeito recai sobre o criminoso que mata policiais. Aqui, em consequência direta do baixo índice de apuração e autoria de homicídios, já que o desaparelhamento da polícia é evidente, o crime compensa, elevando o criminoso ao status de “matador de policiais” e, por consequência, ao topo da pirâmide do mundo do crime.
É inaceitável que a sociedade paulista continue a conviver com essa realidade, na qual o elevadíssimo número de mortes anuais de profissionais da segurança continue a ser tratado como mais um dado banal nos relatórios governamentais ligados à segurança pública. Se quisermos nos sentir de fato mais seguros em nossas cidades, antes de mais nada, será preciso garantir aos nossos policiais mais respaldo legal, respeito e prestígio junto a toda a opinião pública, visto que, no bojo de nossa democracia, são estes homens e mulheres que possuem a elevada missão de manter nossa paz social. Se a vida deles atualmente tem valido tão pouco, que dirá a nossa?