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Policial covarde atribui morte de menina a inocente

“Um corpo inerte teimava em não dar sinais de vida logo ali naquele asfalto sem testemunhas…”

Droga!!! Prometi que não faria mais isso!

Esmurrei a parede, mas não com tanta força. Sou comedido, característica tão comum aos covardes. Preciso encontrar as palavras certas. Nada de eufemismos!

O suor escorria pelos sulcos da face encovada, fruto da velhice precoce por tantas noites em claro. De tão absorto por conta de um complicado caso de homicídio… Aliás, preciso me expressar melhor sobre esse crime, pois não foi difícil resolvê-lo. O problema é ter que colocar no papel o nome do assassino.

Droga!!! Para onde teria ido aquele idealismo dos meus tempos de curso de formação, quando imaginava que ser policial era apenas saber distinguir entre o certo e o errado, sem levar em consideração a conta bancária do dono da carteira de identidade?

Não consigo fazer a barba direito há pelo menos dez anos. A vergonha é tanta de me olhar no espelho, que tateio a pele da face procurando os pelos. Sempre fica uma parte sem que a navalha consiga atingir. O devaneio me deixa por um momento assim que uma mão bate na mesa.

– Papel! Caneta! Pistola!

Conheço aquele rosto, mas levo algum tempo para descobrir de onde, talvez porque ainda esteja envolto por pensamentos constrangedores, que tento esconder. Não me assustei com a interrupção. Apenas ergui a cabeça e devo ter apertado os olhos, como se fossem limões.

Aqueles olhos enormes, os cílios negros como se pontas de lanças sempre me pareceram postiços. Mas, não, eram naturais, como aquela mulher já havia me dito há anos. Ouço mais uma vez a sua voz.

– Lembra?

– Roberta!

– Do grito de guerra da nossa turma.

– Quanto tempo!

Roberta e eu, há 20 anos, estávamos no curso de formação da polícia civil de Alagoas. Lembro que ela se sentava sempre na primeira cadeira. Era a xerife da nossa turma. Eleita por quase unanimidade.

Eu, lá no fundo, a tudo observava, isto é, quando o sono não me pegava após o almoço, quase sempre arroz, duas ou três generosas conchas de feijão e um bom pedaço de carne. Nessa época passava longe de legumes e verduras, mas era jovem e meu corpo suportava. Hoje, aos 46, luto contra a balança e meu prato possui tantas folhas, que alguém poderia supor que eu seja um coelho.

– Você não mudou muito.

– Já almoçou?

Não demorou, estávamos sentados em um quiosque na praia de Pajuçara. Pedimos uma porção de camarão e refrigerante diet. Conversamos trivialidades, coisas de quem não possui intimidades além de memórias antigas, que logo percebemos serem vazias. Roberta, mais corajosa, mostrou o motivo da visita.

– Como está o caso daquela menina, a Célia Cabral?

– Devagar.

– Não foi o que ouvi dizer.

– Como assim, Roberta?

– Pedro, não precisa fazer rodeios comigo.

– Não estou te entendendo.

Roberta se levantou e me encarou.

– Desista! Encontre outro culpado ou deixe o caso esfriar. Já fizeram isso algumas vezes e ficou tudo bem. Lembra do caso Ana Lídia em 1973, lá em Brasília?

Acompanhei-a com o olhar até ela desaparecer. Voltei os olhos para a mesa, onde ainda restava quase meia porção de camarão. Tomei o resto de refrigerante e pedi a conta. O ambiente ali havia ficado muito pesado, mesmo que a única companhia fosse meu pensamento naquela pobre menina, Célia Cabral, sete anos, torturada, estuprada e assassinada.

Enrolei por mais duas semanas e, finalmente, escrevi o relatório sobre o caso. Nada de colocar o nome do principal suspeito, Aphonso Carvalho de Medeiros. Temendo represálias, escrevi, quase sem remorso, João Ferreira da Silva, que já tinha várias condenações, mas nenhuma por crime tão bárbaro. Sou um covarde!

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