No Brasil, a régua que mede erros e acertos parece ter ajustes personalizados. Para alguns, qualquer deslize vira motivo de execração pública, condenação sumária e punição exemplar. Para outros, não importa o tamanho do crime – sempre há uma desculpa, um benefício, uma interpretação generosa para amenizar os fatos.
Na política, a hipocrisia corre solta. Um lado pode ser implacavelmente investigado, exposto e julgado sob os holofotes, enquanto o outro é blindado por discursos de conveniência e por um sistema que se adapta para proteger os “aliados da causa”. Se um político de perfil conservador comete um erro, o destino é a guilhotina. Mas se o erro vem do outro lado do espectro, logo aparecem teses acadêmicas, militâncias e manifestos para justificar o injustificável.
O mesmo ocorre na segurança pública. A vítima de um crime, que deveria ser protegida, muitas vezes se vê explicando seus atos, enquanto o criminoso recebe um manto de “vítima do sistema”, uma corrente de apoio e, quem sabe, até um documentário contando sua história de superação. O policial que cumpre seu dever é tratado como um vilão autoritário. O bandido, como alguém que merece mais compreensão e chances. O resultado? Uma inversão de valores que só desmoraliza as forças de segurança e fortalece a impunidade.
No setor empresarial, a lógica segue o mesmo roteiro. Grandes conglomerados, com influência e bons padrinhos políticos, acumulam dívidas milionárias com o Estado e são premiados com renegociações suaves, incentivos e até perdões. Já o pequeno empresário que perde um prazo ou erra na burocracia se vê sufocado por multas e sanções que podem levá-lo à falência. É a velha história do Brasil: o peso da lei varia conforme o tamanho do peixe.
E aqui chegamos ao ponto mais sensível: o tratamento desigual na aplicação da Justiça. Processos que se arrastam por décadas para alguns, enquanto outros avançam na velocidade da luz, dependendo do réu. Decisões que deveriam ser previsíveis, mas que oscilam conforme o momento político, a pressão social e o humor das instituições. Há leis para tudo, mas nem sempre para todos. O que deveria ser um sistema jurídico sólido e confiável, muitas vezes se torna um terreno de interpretações elásticas, onde o rigor se aplica com força seletiva.
A desigualdade de tratamento está em todos os cantos. Na mídia, um mesmo fato pode ser tratado como escândalo ou como detalhe irrelevante, dependendo do protagonista. Nas redes sociais, um deslize pode arruinar uma vida, enquanto outros são rapidamente esquecidos se o infrator estiver “do lado certo” da narrativa.
O Brasil precisa de um choque de realidade. Não há democracia funcional sem isonomia, sem a aplicação da lei de forma igualitária, sem regras claras e justas para todos. Enquanto continuarmos aceitando esse modelo de conveniências e relativismos, seguiremos sendo um país onde a moralidade tem donos e a impunidade tem rostos conhecidos.
Se queremos um país sério, o primeiro passo é eliminar essa lógica perversa dos dois pesos e duas medidas. Caso contrário, continuaremos reféns de um sistema que escolhe quem deve ser punido e quem pode ser perdoado, não com base na lei, mas na conveniência do momento.
……………………………..
Everardo Gueiros, advogado, compôs a equipe do primeiro governo de Ibaneis Rocha