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Política, religião e futebol do bem só na Havan

O conceito mundial do termo política é simples: arte ou ciência da organização, direção e administração de nações ou estados. Aliás, do grego aportuguesado politikos, a palavra está relacionada com aquilo que diz respeito ao bem público, à vida comum, às regras, leis e normas de conduta. Em síntese, foi criada para regular conflitos sociais. Parece que a definição do vocábulo está muito distante do Brasil. Entre nós, lembra mais uma sentença. Temos de torcer pelo grupo que está no poder, sob pena de adjetivações estapafúrdias, injustas desconexas e até infantis. É salutar e aceitável que a política, religião e o futebol despertem paixões, adorações, venerações e idolatrias. Inaceitável e imperdoável é que se mate ou morra por causa ou a pedido de ídolos ou mitos que não sabem e não querem saber quem somos. Por isso, melhor não misturá-los.

Nessas situações, perdemos facilmente a razão. É quando torcida vira facção e a consideração e o carinho se transformam em fanatismo, que gera insensibilidade e, às vezes, insanidade. É tudo que não precisamos nesse momento de pandemia. Faz pouco tempo, antagônicos eram alcunhados de coxinhas ou pão com mortadela. Hoje, somos bolsominions ou comunistas. Depende somente do grau de violência, do tamanho da militância, do poder de organização, da extensão do ódio e da coloração do rancor. Todas, no entanto, saem do mesmo órgão: o fígado. Deixamos de ter vida própria. Elogiar ou apenas se manifestar sobre esse ou aquele candidato significa fecharmos questão. Nos dias atuais, as propostas, ideias e discursos propositivos não têm valor algum. O que realmente importa é quem assusta mais.

Poderoso é o líder com força capaz de destruir adversários, de atropelar leis, de insultar quem lhe diz não e de chamar de seu um país que é de todos. Diferentemente dos velhos e bons tempos, hoje bom é quem é ruim. Déspotas, tiranos e ditadores viram heróis apenas porque gritam, xingam e ameaçam. Infelizmente, se puderem também prendem os obedientes em nome do prazer de meia dúzia que ainda acredita no fanatismo como forma de comiseração excessiva a alguém, tipo uma paixão aguda. A bem da verdade, o fervor não passa de zelo religioso obsessivo que pode levar a extremos de intolerância. Obviamente que é normal e auspicioso um posicionamento. Ele vira pernicioso quando passa a ser tratado como religião. Temos informações diárias sobre esfacelamento de famílias simplesmente porque um ou mais membros defendem Luiz Inácio de forma intransigente e outros porque não admitem que exista algum brasileiro melhor do que Jair Bolsonaro.

O grupo de cá entende como legal rotular o de lá como fanáticos, antidemocratas, incitadores de violência e truculentos, entre muitas outras adjetivações impublicáveis. Já os de lá amam denominar os de cá como comunistas, corruptos e ladrões. Na prática, são rotos tentando denegrir esfarrapados. No fim da leitura de qualquer período administrativo desses últimos tempos, percebemos que o buraco negro nunca ficou mais claro com esse ou aquele mandatário. É uma questão de semântica dizer que esse se serviu mais ou menos do Brasil do que o antecessor. Faço uma analogia com uma antológica frase de Ulysses Guimarães sobre o Parlamento: “Se vocês acham esse Congresso ruim, esperem pelo próximo”. Por tudo isso, opto naturalmente pela neutralidade.

É o que preferem os que apenas torcem por um Brasil melhor. Esses são críticos de qualquer governo que não trabalhe para a sociedade. São ainda mais críticos dos oportunistas, que misturam alhos com bugalhos e se utilizam do poder em benefício próprio ou de sua família. Fazendo uso dessa neutralidade e como integrante de uma das maiores torcidas de futebol do mundo, pensei em pedir ao atual presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, uma única razão para o acordo de R$ 6,5 milhões com a rede de departamentos Havan. Não deixa de ser um bom dinheiro, mas muito pouco para ceder uma marca mundial a um patrocinador associado ao varejo do negacionismo. Não é dessa forma que o Flamengo vai se tornar uma marca global, principalmente porque o mundo é avesso a negativismos.

Nada contra a empresa, mas tudo contra a necessidade de bajulação e de vinculação de um símbolo a uma empresa que não se satisfaz em vender. Éo mesmo que vincular cloroquina à cura da Covid. Para bajular o presidente da República, hoje seu maior ídolo, Landim calou grande parte da torcida e do elenco do clube. O corintiano Andrés Sanches havia feito afago idêntico em Luiz Inácio. Como retorno, a Caixa Econômica e a Odebrecht financiaram a obra do Neo Química Arena, o popular Itaquerão. Premiado, Sanches ganhou um mandato de deputado federal e o Corinthians uma dívida que a fiel torcida ainda lamentará por muitos anos. A diferença clássica é que Lula é torcedor roxo do coringão e Bolsonaro, exclusivamente simpatizante dos votos, é capaz de confundir as cores sagradas do Flamengo com as da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira.

*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978

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