Que hoje convivemos numa sociedade com valores e conceitos corrompidos, especialmente no que se refere à cidadania, todos sabemos.
Não apenas confundimos governos (temporários) com o Estado (perene), mas também reduzimos a “Justiça” para uma simplória “justiça social”, confundimos o “bem público” com “propriedade privada”, o poder absoluto da “vida” com “condições de vida”, “igualdade perante a lei” com “igualdade social”, “liberdade” como alteridade e não identidade, e por aí vai.
Em suma, não distinguimos entre a real democracia e a perigosa demagogia, uma vez que esse grande mal moderno que vemos deteriorar governos no mundo inteiro se opõe à democracia – e não à tirania, como nos acostumamos a pensar nos anos de chumbo.
Todos queremos mudanças, mas quem está disposto a fazer parte dela? Como dizia Gandhi, “seja você mesmo a transformação que quer ver no mundo”. Engaje-se nas reformas da sociedade, sobretudo na reforma política, a “mãe de todas as reformas”.
A mais importante missão do Congresso é a tarefa de fiscalizar o Executivo, para além de debater e aprovar leis para reger a sociedade. E de dar o devido exemplo a milhões de cidadãos brasileiros nos termos do poder público que é.
Qualquer pai ou mãe sabe disso instintivamente: a quem está em cima cabe dar o exemplo, orientar e disseminar valores como ética, transparência, respeito à coisa pública e ao próximo. E, nisso, Câmara dos Deputados e Senado Federal estão falhando vergonhosamente.
Reforma, pois, é mais que necessária. É urgente, até, para virar esse jogo em favor da cultura de cidadania, no lugar da cultura de impunidade e transgressão em que estamos afundados.
Mas cuidado com esse andor! Alguns pontos fundamentais para uma reforma política não estão sendo cogitados por políticos e mesmo pela sociedade civil. E alguns deles podem fazer toda a diferença entre a reforma que a sociedade exige e a que os políticos preferem. Um deles, consideramos o mais emblemático: o voto facultativo, também chamado de voto livre.
Não se concebe em qualquer sociedade livre e democrática que o comparecimento a uma seção eleitoral seja uma obrigação passível de multa e não um direito pleno, que o cidadão eleitor exerce se assim bem o entender. Dizer que obrigar ao voto é uma forma de educar a sociedade é argumentação cínica de quem se beneficia do sistema e subestima a inteligência do cidadão eleitor.
Outro ponto que deveria voltar a ser debatido no âmbito de uma reforma política é a chamada “cláusula de desempenho”. Cabe aqui até um puxão de orelhas no Judiciário. Em 2005, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade dessa norma, por prejudicar partidos pequenos.
Bola fora, pois acabou legitimando partidos de aluguel, criados sem bandeira ou ideologia apenas para funcionarem como “satélites” de agremiações maiores ou meros pontos de troca de favores e benesses quase sempre inconfessáveis.
Se o partido não consegue representação em “x” Estados ou um certo número de eleitores e afiilados, não deve ter direito a tempo de TV, a uma parte do fundo partidário ou mesmo a indicar membros de comissões parlamentares. Simples assim.
Por último, poderíamos discutir mais seriamente o chamado “recall” político. Assim como uma montadora chama de volta os veículos que apresentam defeitos ou significam risco para a sociedade, os cidadãos devem ter o direito de “retirar de circulação” aqueles políticos que não cumprem promessas de campanha, que se envolvem em processos judiciais e que “não estão nem aí” para a sociedade. Pois o mandato é do mandante (os cidadãos eleitores) e não do mandatário (os cidadãos eleitos).
Esses e outros pontos podem ser discutidos e aprofundados numa espécie de “shadow congress” de agentes de cidadania. Cidadãos atuantes, dispostos a fazer acontecer as mudanças necessárias e, acima de tudo, conscientes de que devem mobilizar cada vez mais outros cidadãos para uma luta que tem que ser de todos.
Jorge Maranhão