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Políticos brasileiros lembram remendo novo em panos velhos

ONG Rio de Paz estende 600 lenços brancos em frente ao Congresso Nacional como homenagem às vítimas da covid-19.

Qualquer ator ou comediante com um mínimo de inspiração encontra na política brasileira matéria-prima para dez anos de stand ups, para alguns longa-metragens sem enredo repetitivo e talvez para cinco ou seis novelas sobre temas variados, especialmente esperteza, mentira, traição, enganação, crueldade, má fé e, sobretudo, libidinagem com dinheiro público. Sobre os políticos, muito pelo contrário. Como poucos têm alguma coisa de bom a dizer a respeito deles, melhor usar aquela expressão muito comum no início ou fim de frases sem sentido: assim como são os homens são as criaturas. Precisa mais? Claro que não. O povo está até aqui de mágoa com os políticos que se utilizam do país, das instituições e do eleitor apenas para se servir. Participar da vida pública da cidade, do estado, da região, da pátria não faz parte do dicionário deles.

Dependendo da dimensão, é um conto do vigário a cada dois ou quatro anos. Pior é que temos certeza de que o santo é do pau oco, mas sempre caímos na esparrela de que eles são úteis porque decidem por nós. Pois é exatamente aí que mora o perigo. Com raríssimas exceções (põe raríssimas nisso), a casta política é composta majoritariamente pelas elites e por duas ou três dezenas da classe média. Eis a outro ponta do problema. Os pretensos burgueses não estão nem aí para o privilégio dos ricos, mas morrem de medo diante da possibilidade de os pobres terem algum. Por isso, a nefasta luta da turma do quanto pior melhor para manter o que aí está.

Embora não aposte nem dez centavetes nessa hipótese, não posso negar que esse improvável pesadelo é o o cenário mais desanimador, quiçá assustador, para 2022. A improbabilidade a que me refiro parte do quadro pintado pelo próprio presidente da República. Mais cedo do que se pensava, Jair Bolsonaro entrou na roda na qual “dançam” ou “dançaram” (do verbo se lascar) determinados deputados, senadores, ministros e até ex-mandatários de pouca ou nenhuma história. São aqueles que, enquanto candidatos, condenam, excomungam e xingam qualquer um cujo passado ou presente desabonadores possa lhe arrancar votos. Vencendo a disputa, correm para o famoso abraço de tamanduá, isto é, o abraço do falso amigo.

Como não há abraço escondido ou que não seja confessado na primeira desavença, logo vem o troco do eleitorado, nesse caso com significado de derrota. Na situação de momento, depois das esculhambações de campanha ao Centrão, o que se ouve e se vê é o fim da prometida “nova política”, morta no nascedouro. De novo, apenas o velho toma lá dá cá. E vale a lembrar que, em 2018, de 404 deputados que tentavam a reeleição, 159 não voltaram à Câmara, foram emparedados, bloqueados pelas urnas, mas, infelizmente, substituídos por iguais. Há tempos não temos esperança de melhora, de cérebros capazes de repensar o Brasil ou, na melhor das hipóteses, salvá-lo do furor uterino daqueles que só querem pilhá-lo. O velho costume determina que, assim como joga o presidente, jogam os congressistas, sejam eles aliados ou supostos adversários.

No fim e ao cabo, o que se percebe é que todos votam absolutamente de acordo com a vantagem oferecida. Por isso, nunca é demais lembrar o lendário Ulysses Guimarães, deputado federal de 11 mandatos. Protagonista de memoráveis momentos da política nacional, o Senhor Diretas Já era sempre procurado pela imprensa para avaliar como seria o Congresso eleito. A resposta não mudava: “Pior”. Ele não viveu para ver, mas não teria se enganado com o de 2018. Se o de 2014, no segundo governo Dilma Rousseff, foi ruim, o que surgiu sob os auspícios de Jair Bolsonaro dispensa comentários. As provas pululam. O ano, o governo, o Congresso e as assembleias legislativas estão prestes a se renovar. É como se estivéssemos a dizer: se quiserem, podem recomeçar. Diríamos para muitos, mas certamente poucos escutariam.

Ouvindo novamente o dr. Ulysses, vale repetir que sempre foi assim. São remendos novos em panos velhos. Os políticos de ontem, os de hoje e provavelmente os de amanhã esquecem que tudo volta, inclusive eventuais mandatos perdidos. Irrecuperáveis são as oportunidades esquecidas, entre elas qualidades como dignidade, honestidade, coerência e respeito. Além dos legados que não deixaram, essas (as qualidades) serão eternamente lembradas como perdas reais. Perdê-las significa garantir insumos para o anedotário político mesmo depois da morte. É verdade que política e políticos são questionados e criticados em todo planeta. Também é verdade que a democracia não se sustenta sem eles. A diferença é que, por aqui, não se aprende nunca que o eleitor é um importante elo na engrenagem política.

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