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Prática e teoria

Políticos e juristas usam duas medidas; a contra drogas, outra pró-jogos

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Autor/Imagem:
Arimathéia Martins - Foto de Arquivo

Sem querer querendo, vivemos o ápice da encenação no Brasil. É quase uma endemia. A Suprema Corte de Justiça do país decidiu recentemente pela descriminalização do uso pessoal da maconha. Faz pouco mais de um mês, o Senado decidiu em sentido contrário. Ou seja, é crime carregar, usar ou vender entorpecentes em qualquer quantidade. Do ponto de vista político, a proibição é um engodo, pois, para o traficante e para o viciado, lei alguma vai acabar com o comércio de drogas no Brasil e no mundo. Do ponto de vista jurídico, é outra balela porque, caso eu queira, ninguém me impedirá de comprar pequenas “doses” quantas vezes eu quiser.

Na teoria, parlamentares e magistrados juram que vão evitar a proliferação da maconha, da cocaína, do crack e similares. Na prática, eles lavam as mãos, porque, embora até a alma de boas intenções, eles não são capazes de arregaçar as mangas do paletó para prender fornecedores, muito menos para doutrinar usuários. Todos continuarão lotando diariamente as cracolândias, os becos, praças e os lares afetivamente consolidados. Em outras palavras, tempo e dinheiro perdidos com algo enraizado nas entranhas da nação.

Usaram dois palcos para encenar uma reação à liberação de um mercado que dificilmente irão varrer para debaixo do tapete. Em outro ato, os mesmos senhores das leis (alguns apegadíssimos às palavras de Jesus), após décadas de rejeição, optaram por liberar a jogatina no território nacional. Para sorte dos grandes atores e atrizes brasileiros, os senhores e as senhoras parlamentares são péssimos com e sem a máscara. Fingem combater as drogas, mas generosamente liberam as porteiras da dinheirama para o crime organizado, em boa parte formado pela turma do tráfico. E o que dizer da criminalização das estupradas e da idolatria dos estupradores? Infelizmente, nada!

Convertidos ou não, é óbvio que os “empresários” dos jogos e das drogas estão até o pote de orgulho das excelências do Congresso Nacional, algumas delas certas de que serão financeiramente beneficiadas nas próximas eleições. É o antigo toma lá, dá cá. Como diz o velho ditado, nem mesmo os moços da fé e os acima de qualquer suspeita dão ponto sem nó. E toma-lhe encenação. Uma pena que o distinto público prefira a dor e o sofrimento à insurreição política. Nada anormal para a expressiva parcela de brasileiros que insiste em ser democrata, mas adora parecer tirano.

Em Brasília, faz uma semana os representantes de um parlamento que lembra um parque de diversões sem roda gigante aprovaram um de seus maiores absurdos. Com apoio do governador local, 18 dos 24 deputados da da Câmara Legislativa optaram por destruir o conjunto urbanístico da capital da República, considerada patrimônio cultural da humanidade. Coincidentemente, na mesma ocasião o secretário da Cultura anunciou que as faixas de pedestres da cidade serão declaradas patrimônio imaterial do Distrito Federal. No caso, a incoerência e a máxima do morde e assopra estiveram de mãos dadas.

Na esteira da tragédia grega da similaridade entre o aborto e o homicídio, o pior espetáculo foi encenado pelo deputado distrital Tiago Manzoni, do PL. Sem noção, ele confundiu alhos com bugalhos e, com uma fala absolutamente destoante do projeto em votação, disse ser contrário à valorização nas escolas públicas das artes de matizes africanas, afro-brasileiras e indígenas. Sem prova alguma, também disse haver “cristofobia” (ódio aos cristãos) em escolas do DF. Não à toa, Manzoni se elegeu nas nuvens do bolsonarismo. Rejeitado como santo, o deputado é autor da emenda que, no bojo da destruição de Brasília, permite o funcionamento de motéis em áreas escolares da capital. Está claro que na Bíblia do moço está escrito que a ordem é a libidinagem. Aprendizado é somente um detalhe. É o país e os deputados que temos.

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