Neste ano, a árvore de Natal de Ubatuba não tem tronco, mas um poste. Também não tem folhas – são redes de pesca que lhe dão a estrutura. Tampouco tem papais noéis, bonecos de neve, renas, estrelas ou outros enfeites típicos. Mas tem chinelos, baldinhos, canudinhos, embalagens de alimentos, copos, garrafas pet, apetrechos de pesca. A exceção natalina são as bolinhas. Essas não faltam, e são muitas. Tudo oferenda devolvida pelo mar ao longo do ano.
A obra foi elaborada pelas equipes do Aquário de Ubatuba, do Instituto Argonauta e do Projeto Tamar como um alerta sobre o problema do lixo, em especial do plástico, no mar. Todo o material usado na decoração foi coletado nas praias do litoral norte paulista, como parte de um trabalho de monitoramento que busca entender a quantidade e a qualidade desse lixo.
As bolinhas dão o toque que faltava. Elas vêm de um dos 46 contêineres de um navio, lançados ao mar durante forte ressaca no Porto de Santos em agosto. Nas semanas seguintes, começaram a aparecer nas praias do litoral norte e até hoje dão o ar da graça. Na última contagem, dia 16, somavam mais de 3,2 mil.
Não se tem ideia de quantas ainda estão no mar ou podem ter parado nos estômagos de animais. É um tipo de acidente com o qual os biólogos já se habituaram a ver pela região. É o caso do golfinho que apareceu morto, boiando na praia, com um chinelo de borracha preso na boca. Ou o peixe-espada que ficou com a boca enroscada num carretel de linha de pesca, acabou morrendo de fome e hoje está exposto no aquário como um alerta. “Um pinguim achado em janeiro estava enrolado em um ramalhete de flor. Já encontramos tartarugas com mais de 25 bexigas no estômago”, conta a bióloga Carla Beatriz Barbosa, do Instituto Argonaura.
A árvore de Natal chama atenção para um problema que mereceu destaque em conferências da Organização das Nações Unidas (ONU) este ano. A ONU estima que 8 milhões de toneladas de lixo plástico entrem por ano nos oceanos, que de 60% a 80% do lixo nos oceanos seja plástico, e que até 2050 possa haver mais plástico do que peixes no mar.
Isso traz prejuízo não só para a biodiversidade, mas para a saúde das pessoas – pesticidas e outras toxinas podem aderir aos microplásticos e ser consumidas por organismos marinhos, caindo na cadeia alimentar até chegar ao homem – e para a própria economia, diante dos gastos com limpeza das praias.
Na ONU, governos, empresas, sociedade civil fizeram uma série de compromissos. Se todos forem atendidos, 480 mil quilômetros (ou cerca de 30%) das costas litorâneas serão limpas. No documento final, 193 países, incluindo o Brasil, se comprometeram a eliminar os microplásticos dos oceanos e adotar ações para prevenir e reduzir a poluição marinha até 2025.
Internamente, o País ainda precisa conhecer o tamanho de seu desafio. Um trabalho publicado na revista Science em 2015 por pesquisadores dos Estados Unidos e da Austrália colocou o Brasil como o 16.º país com maior quantidade de plástico que entra nos oceanos por lixo gerado em terra – à frente dos EUA (20.º). A China está em primeiro lugar neste ranking.
Imprecisão – Faltam, porém, estudos que apontem com precisão quanto lixo e de que tipo chega nos nossos mares e como isso está variando ano a ano. Um dos principais trabalhos foi conduzido pelo biólogo Alexander Turra, da USP, com a organização Plastivida, que monitorou por quatro anos praias do Nordeste e do Sudeste para checar a ocorrência de macrolixo e o acúmulo dos chamados pellets (pequenos grãos de resinas termoplásticas, matéria-prima da maior parte dos produtos usados no mercado).
Da 1,4 tonelada de material coletado em dois anos, a maior parte no Sudeste, 94% eram itens plásticos. Enquanto no Nordeste há muita embalagem de comida, fragmentos não identificados e tampinhas, no Sudeste há de tudo um pouco, de pedaços de isopor a bitucas e hastes flexíveis.