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Rugas e cabelos brancos

Por que as pessoas envelhecem diferente umas das outras?

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Autor/Imagem:
Ana Bulnes/Via ElPaís

Um efeito colateral inesperado das campanhas de vacinação em massa é que colocam as pessoas convocadas frente a frente quase com sua própria mortalidade. Não pela pandemia que as picadas ajudam a conter nem pela vacina em si, mas por reunir muita gente da mesma faixa etária em um só lugar —uma fila— com algum tempo para se dedicar a um dos passatempos mais difundidos entre os humanos: observar as pessoas. Acostumados a nos relacionar em nossos círculos e bolhas sociais, a fila da vacina pode ser uma saída da zona de conforto muito impactante: estou tão mal assim? Ou, para quem tem menos amor-próprio, por que todo mundo parece tão jovem?

Em geral, todos nós temos bastante claro o que consideramos envelhecer bem e o que consideramos envelhecer mal, como demonstram os comentários sobre pessoas como Jane Fonda (83 anos, amigas) ou Brad Pitt (seus 57 anos não são nada em comparação, mas a opinião generalizada é que está no bom caminho) e a onda de gente surpresa com a aparência do elenco de Friends em seu recente reencontro (os murmúrios escandalizados falavam das barrigas, rugas e cabelos grisalhos deles e dos rostos operados delas; não houve demasiada reflexão de gênero, foi um “tudo ruim” generalizado).

Do lado de fora, nesse escaneamento rápido em que avaliamos o quão bem ou mal os anos trataram uma pessoa, olhamos para coisas como rugas e o estado da pele, os cabelos grisalhos, a postura e —se não os vemos de pé em uma fila— a agilidade geral de seus movimentos. Sabemos que existem pessoas que envelhecem melhor do que outras, mas por quê? Simples sorte na loteria genética ou boas decisões diárias?

A primeira coisa, antes de mais nada, é entender o que significa envelhecer e por que a passagem do tempo tem esse impacto em nosso corpo. “O corpo humano envelhece porque suas células envelhecem”, diz Salvador Macip, doutor em Genética Molecular e diretor do Laboratório de Câncer e Envelhecimento da Universidade de Leicester. E o que causa esse envelhecimento celular? Macip aponta que a ciência está de acordo em nove fatores, “que vão da perda de células-tronco a um aumento da oxidação e outros danos”. Ou seja, o envelhecimento físico é resultado de uma série de fatores complexos que interagem entre si. “Não tem uma causa única, por isso é difícil de entender e de manipular”, explica o especialista.

Outro aspecto fundamental do envelhecimento é explicado por María A. Blasco, bióloga molecular e diretora do Centro Nacional de Pesquisas Oncológicas (CNIO). São os telômeros, “as estruturas protetoras do nosso material genético e que, portanto, são essenciais para a vida das nossas células e do nosso organismo. À medida que vivemos e nossos tecidos se regeneram para reparar danos, os telômeros se desgastam, ficando cada vez mais curtos, até ficarem tão curtos que não podem mais exercer sua função protetora”, destaca. Seu grupo de pesquisa demonstrou que os telômeros curtos são a causa do envelhecimento e de suas doenças. E também, e isso talvez seja mais interessante, demonstrou (em camundongos) que manter os telômeros longos por mais tempo retarda tudo: o envelhecimento e suas doenças associadas.

Claro, não costumamos sair por aí comentando sobre o comprimento dos telômeros das pessoas que encontramos. Falamos mais do efeito visível que tudo isso tem —os cabelos grisalhos, rugas, a corcova— com uma atitude de “velho é ruim” que talvez devêssemos mudar. Carmen María Sarabia Cobo, enfermeira, doutora em Psicologia pela Universidade Complutense de Madri e especialista em Envelhecimento e Doenças Neurodegenerativas, explica que nunca devemos esquecer que o conceito de velhice é cultural e social. “Na nossa cultura ocidental e em um mundo globalizado, o envelhecimento físico é sinônimo de algo negativo”, diz. Acredita que isso deveria mudar, mas considera muito difícil.

Quanto ao que entendemos por envelhecer bem ou mal, explica que do que se está falando agora é mais sobre envelhecimento bem-sucedido. “É um estado em que a pessoa se refere sobretudo à satisfação com o momento que está vivendo. Vai além de estar bem fisicamente, não ter doenças ou ser independente. É um conceito global em que a pessoa em primeiro lugar se refere a ter uma boa qualidade de vida, sentir-se plena e satisfeita”, escreve por e-mail. Embora todo mundo prefira viver livre de doenças e de forma independente, “os estudos sugerem que é a capacidade da pessoa de se adaptar a essas mudanças e viver plenamente o que define o ‘envelhecer bem’”.

Chegamos ao cerne da questão: por que existem pessoas que se cuidam a vida toda e envelhecem mal e outras que fazem tudo que os médicos desaconselham e o pior que acontece com elas é caírem de um coqueiro? “Essa é a pergunta do milhão”, diz Salvador Macip. “Quando soubermos a resposta, poderemos não apenas prever como uma pessoa envelhecerá, mas também buscar maneiras de favorecer um envelhecimento mais saudável. Ainda temos um longo caminho a percorrer.”

No entanto, está claro que é uma combinação de dois grupos de elementos. “Acredita-se que existam fatores muito determinados pela carga genética (como o envelhecimento de órgãos internos como os pulmões ou os rins) e outros com forte carga ambiental (principalmente nosso estilo de vida), como o envelhecimento da pele ou do nosso sistema imunológico”, destaca Carmen María Sarabia Cobo. Obviamente, não há muito que possamos fazer em relação à genética, mas temos mais controle sobre o nosso estilo de vida.

Na pele, que é um dos aspectos mais visíveis do envelhecimento (e um dos primeiros que descobrimos com surpresa no espelho), esses dois fatores também atuam. María Helena de las Heras, dermatologista e doutora em Medicina e Cirurgia, explica que existe um envelhecimento intrínseco, o “cronoenvelhecimento devido à idade”, e outro extrínseco, devido a fatores externos como o sol, o tabaco, a poluição, o estresse, a falta de sono ou uma dieta inadequada. Ela tem claro que as pessoas cuja pele envelhece pior é porque se “expõem ao sol e fumam” e faz uma série de recomendações para evitar que nossa pele fique pior do que deveria na nossa idade. “Proteger-se do sol e da poluição, dormir bem, seguir uma dieta mediterrânea rica em frutas e verduras, evitar o estresse, usar ácido glicólico ou ácido retinóico”, enumera.

No entanto, se o que realmente nos interessa é chegar a esse envelhecimento bem-sucedido, temos de ir além da pele. “Nosso estilo de vida interage com nossa genética de uma forma importante. E esse estilo de vida saudável tem duas vertentes interessantes: a primeira é que quanto mais cedo adquirirmos hábitos saudáveis, melhor para o nosso organismo; e a segunda é que nunca é tarde para começar a adquiri-los, porque seu benefício é sempre relevante”, explica Carmen María Sarabia Cobo. “Esses hábitos são uma alimentação equilibrada, fazer atividade física, parar de fumar, proteger a pele da radiação, ter uma vida social ativa e uma vida com sentido”, afirma a especialista. Quanto ao elemento mais importante para envelhecer bem física e mentalmente, sua conclusão é clara: “mexa-se!”.

Nada disso nos salvará do ano e de seus pesos e, embora ajude a evitar algumas doenças (e a enfrentar outras em melhores condições), o tempo não passa em vão. Mesmo assim, muitas pesquisas, como as realizadas por María A. Blasco, que falou antes dos telômeros, buscam encontrar uma resposta para algumas doenças relacionadas ao envelhecimento, como a fibrose pulmonar ou renal. “Para curar essas doenças desenvolvemos uma terapia que consiste na ativação da telomerase, uma enzima capaz de alongar os telômeros e retardar o envelhecimento”, explica Blasco. E em experiências com camundongos, notaram que é possível deter o avanço da fibrose pulmonar e até mesmo curá-la.

Em outras palavras, podemos tentar cuidar do nosso estilo de vida. Para o outro, aquilo sobre o qual não temos controle, não podemos fazer muito. Mas é reconfortante saber que existem muitos cientistas trabalhando nisso.

Mulheres e homens envelhecem igual?
Como sempre que olhamos informações científicas, assim que os dados são desagregados por sexo algumas diferenças aparecem. A forma como envelhecemos não é exceção. Nas mulheres, por exemplo, há “um aumento pontual dos processos de envelhecimento a partir da menopausa, algo que não é tão pronunciado nos homens”, diz Salvador Macip. No entanto, o especialista indica também que as mulheres vivem mais. Quanto a por que existem diferenças no modo de envelhecer de homens e mulheres, “ainda não sabemos o motivo”.

Os telômeros também dão a mão vencedora às mulheres, pois, segundo María A. Blasco, “parecem encurtar mais rápido nos homens do que nas mulheres”, o que também ocorre em outras espécies. No entanto, a dermatologista María Elena de las Heras acredita que não há grandes diferenças na pele em relação ao sexo, embora acrescente que talvez o “envelhecimento hormonal relacionado com a menopausa” tenha sido mais estudado.

Finalmente, Carmen María Sarbia Cobo conclui o assunto explicando que, embora existam diferenças importantes no processo de envelhecimento de homens e mulheres, “o grande problema da velhice por sexo é a sociedade em que se vive. Uma sociedade com valores orientados a permanecer ’’eternamente’ jovem fisicamente, que condiciona que a mulher esteja jovem, mas ‘castiga’ menos o homem, que ‘premia’ por ser um maduro interessante, gera um fardo muito pesado para a mulher. O processo de envelhecimento é físico, sem dúvida, mas é a atitude com que se enfrenta a adaptação às mudanças que determina o verdadeiro envelhecimento bem-sucedido”.

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