Notibras

Por que cargas d’água um carioca do DF prefere Poa?

Durante o encontro semanal com meus colegas de Notibras numa concorrida padaria na Asa Norte, o José Seabra me questionou como é que eu, carioca da gema, gosto tanto de Porto Alegre. Isso foi o mote para que a minha mente começasse a imaginar uma crônica sobre o assunto.

Sepúlveda despontou do útero da sua mãe ali na rua Bueno de Paiva, no pitoresco bairro do Méier, na esplendorosa cidade do Rio de Janeiro. Deu seus primeiros passos por ali mesmo, o que lhe garantiu o sotaque mais característico da Cidade Maravilhosa, muito diferente daquele dos que habitam a Zona Sul.

Estufava o peito para falar de onde era: “Méier!!!” E assim prosseguia na sua saga de suburbano, com hábitos típicos como fazer aquela fezinha no bicho, batucar um samba com as pontas dos dedos no trem durante o trajeto pro trabalho, parar diante da banca de jornal para se inteirar das últimas notícias, até mesmo daquelas que não fariam a menor diferença na sua vida como, por exemplo, que o protagonista da novela das oito havia flagrado a amada com outro na cama.

Ao chegar ao trabalho naquela segunda-feira, recebeu um comunicado da Aurora, sua colega de seção. O chefe queria falar urgentemente com ele. Sepúlveda, curioso como ele só, quis logo saber do que se tratava. Aurora, no entanto, disse que não fazia a menor ideia, já que o Amílcar, o chefe, não era de falar muito além do necessário.

O suburbano balançou a cabeça de um lado pro outro, até que, quase decidido, foi conferir o motivo pelo qual havia sido intimado. Parou diante da porta do Amílcar. Observou o verniz gasto e, indeciso, tomou coragem e deu dois leves toques na madeira. Entrou.

A primeira coisa que notou foi o quadro bem à sua frente. Amílcar, um apaixonado por arte, não poupava esforços para adquirir obras de famosos pintores. Pois é, Sepúlveda estava diante de um Van Gogh! Quase original, é verdade!

A conversa demorou por volta de uma hora. Sepúlveda seria promovido a gerente de uma filial em Porto Alegre, que ele não fazia ideia de onde ficava. O homem, que era um exímio fazedor de contas, sempre tivera notas sofríveis em geografia. Seja como for, aceitou de pronto a missão, mesmo porque o salário iria mais que dobrar.

Não demorou muito, Sepúlveda e a esposa, Adelina, desembarcaram na rodoviária da capital gaúcha. A princípio, ficaram surpresos, pois sentiram tanto calor, que foram obrigados a retirar os grossos casacos. Desconheciam que os verões de Porto Alegre eram como os do Rio de Janeiro.

Sepúlveda e Adelina foram morar no bairro Menino Deus, bem próximo da filial. Ele caminhava algumas centenas de metros até o trabalho todas as manhãs. Por sua vez, ela tentava se adaptar à nova rotina. Por volta do meio-dia, os dois almoçavam, enquanto Sepúlveda contava sobre as gírias gaúchas que aprendera com os subordinados. Os dois riam e, de brincadeira, repetiam algumas.

– Acho que vou lagartear o resto do dia.

– Pois estou pensando em adotar um cusco.

– Capaz!

De tanto caçoarem dos gaúchos, não tardou e já usavam tais palavras sem se darem conta. Todavia, Adelina, talvez por pudor, continuava chamando pão de pão. Afinal, não conseguia se acostumar com o nome usado pelos gaúchos para tal iguaria; cacetinho.

Apesar dos percalços da mudança para uma nova cidade, tudo parecia bem para o casal. Sepúlveda, cada vez mais entrosado com os companheiros de labuta, conseguiu aumentar o faturamento da firma. Adelina, por sua vez, fizera amizades, que lhe garantiram reduzir a saudade da Cidade Maravilhosa.

Tudo parecia bem, até que começou o rigoroso inverno porto-alegrense. Os dois sofreram horrores, mas Adelina começou a ficar deveras deprimida, até que, durante um almoço, reclamou com o marido. Queria porque queria voltar pro Rio de Janeiro. Ele ainda tentou convencê-la do contrário, mas nada tirava tal ideia da sua cachola.

– Sepúlveda, quem gosta de frio é pinguim e picolé!

No dia seguinte, a mulher fez as malas e retornou para o calor do Méier. Por algum tempo sentiu falta do amado. No entanto, a qualquer recaída, bastava recordar do gélido inverno de Porto Alegre para que o rosto de Sepúlveda fosse desaparecendo do seu coração. Depois de alguns meses, desapareceu por completo.

Numa sexta-feira, lá estava o Sepúlveda finalizando mais uma grande negociação na filial, quando um colega de trabalho, o Asdrúbal, lhe convidou para um churrasco em sua casa no domingo. Ele aceitou de pronto. Asdrúbal fez questão que o chefe levasse a esposa. Sepúlveda, apesar de continuar com aquele sotaque carregado tão característico do Méier, já estava tão adaptado à cidade, que nem percebeu quando respondeu.

-Vou só.

– Por quê?

– Quebramos os pratos!

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