Portadores do vírus HIV denunciam falta de remédios contra infecções oportunistas
Publicado
emVinícius Lisboa
Em 2006, Cazu Barros participou de uma campanha do Ministério da Saúde na TV para combater o preconceito contra a população portadora do vírus HIV. Ele começava dizendo: “pessoas que vivem com Aids tomam muitos remédios. O tratamento não é fácil, mas podem trabalhar, estudar e transar, com camisinha, é claro, como todo mundo”. Hoje com 43 anos, o ator enfrenta um tratamento ainda mais difícil com a falta de remédios para tratar infecções oportunistas, as que se aproveitam da fragilidade do sistema imunológico das pessoas soropositivas.
“Vivo há 26 anos com HIV, mas de quatro anos para cá é que estou lutando realmente pela vida, com a falta de acesso ao tratamento no Rio de Janeiro. Fico constrangido, porque faço a campanha ‘A vida é mais forte que a Aids’, e não tenho acesso à medicação”.
Cazu precisa tomar o aciclovir 200mg em seu tratamento para herpes zoster, mas o remédio está em falta no Hospital São Francisco de Assis na Providência de Deus, onde é acompanhado em um ambulatório do Sistema Único de Saúde. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, responsável pelos remédios que tratam infecções oportunistas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) suspendeu em novembro o último lote adquirido pelo estado, e, desde então, a fabricante Prati Donaduzzi não realizou a troca. Já a farmacêutica afirma que está aguardando a secretaria enviar documentos para que possa fazer o recolhimento e reposição do produto.
O ator se queixa de que a falta de acesso ao remédio, no entanto, já ocorria antes disso. “Fiquei internado há quatro meses, durante dois meses, em função da falta dessa medicação. Não tomei o remédio e tive uma meningite cerebral. Um mês sem tomar é o suficiente para eu ter uma crise”, conta ele, que teve o remédio substituído pelo valaciclovir, mais forte e com efeitos colaterais: “Dá enjoo e muita dor de cabeça. O outro remédio não dava, porque é para prevenir uma situação, e esse é para tratar uma situação muito mais grave”.
Crise no estado
Membro da secretaria executiva do Fórum de ONGs/Aids, Josimar Pereira da Costa afirma que a falta de remédios para infecções oportunistas é um problema que se repete, mas ficou mais grave com a crise financeira do estado. Relatos têm chegado ao fórum com mais frequência desde outubro. “As pessoas fazem as denúncias, reclamam que falta. O pior é quando não conseguem e depois voltam para pedir ajuda para buscar vaga em hospital”, diz ele, que destaca que o sucesso do tratamento contra o HIV depende não apenas do controle da carga viral, mas também da continuidade da prevenção de doenças oportunistas.
O ativista cita os medicamentos que, rotineiramente, são mais difíceis de encontrar e estão em falta: albendazol 400mg, aciclovir 200mg, atorvastatina cálcica 10mg, claritromicina 500mg, dapsona 100mg, fluconazol 100mg, folinato de cálcio 15mg, gabapentina 400mg, pirimetamina 25mg, sulfadiazina 500mg e valaciclovir 500mg.
Remédios à disposição
Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, a maior parte dos remédios mencionados está disponível. Fora o aciclovir, há problemas com três medicamentos, de acordo com o órgão. A secretaria afirma que o fornecedor da claritromicina 500mg alega que há pouca oferta do produto no mercado nacional, o que levou a processos licitatórios fracassados.
Já o fluconazol 100mg, muito usado para tratar casos de candidíase oral, mais popularmente conhecida como sapinho e frequente em crianças soropositivas, está em processo de compra. A situação é a mesma da pirimetamina 25mg, usada no combate à neurotoxoplasmose.
Recursos próprios
O vendedor Frederico Marques, 37 anos, trata o HIV há uma década e vai a consultas periódicas no mesmo hospital que Cazu. Ele relata que há três meses é obrigado a usar recursos próprios para comprar o Bactrin F (sulfadiazina). O medicamento consta na lista que a Secretaria Estadual de Saúde afirma ter em seus estoques.
“A posição que eles me dão é que não tem previsão para reposição”, diz Marques, que volta à farmácia do hospital uma vez por mês. “A consulta está normal e só posso elogiar porque são impecáveis, mas o remédio não tem”, conta Marques que, em outras ocasiões, chegou a levar para casa a sulfadiazina em dosagem menor, para tomar dois comprimidos em vez de um. “Antes, isso resolvia. Mas dessa vez não tem nem uma, nem outra”.
Presidente do Grupo Pela Vida no Rio de Janeiro, George Gouvea, lamenta que poucas pessoas denunciem a falta de medicamentos e procurem associações e organizações não governamentais (ONGs). Segundo ele, muitos se resignam com a interrupção do tratamento.
“Em sua maioria, as pessoas não são empoderadas. Elas desconhecem seu direito e acham que estão recebendo um favor na unidade de saúde. As reclamações que chegam são de pessoas conscientes. Imagino o que acontece com a maioria das pessoas que não têm consciência. Elas vão para casa sem o remédio e pronto”.
Agência Brasil