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Pós-pandemia será de gastança e libertinagem

No ano de 2024, podemos finalmente entrar em uma era pós-pandemia, diz o sociólogo, médico e professor de Ciências Sociais e Naturais da Universidade de Yale, nos EUA, Nicholas Christakis.

Em seu novo livro, Apollo’s Arrow: the Profound and Enduring Impact of Coronavirus on the Way We Live (“A Flecha de Apolo: o Impacto Profundo e Duradouro do Coronavírus na Maneira como Vivemos”, em tradução livre), ele analisa os efeitos da pandemia na sociedade a partir de uma perspectiva histórica e se debruça sobre o que pode acontecer nos próximos anos.

Considerado pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes do mundo e pela revista Foreign Policy como um dos 100 maiores pensadores globais, Christakis é uma voz respeitada no ambiente acadêmico. Por isso, suas expectativas em relação às transformações sociais e o futuro da humanidade normalmente geram repercussão.

Desapontado com a forma como a Casa Branca lidou com a pandemia, o pesquisador diz ter esperança de que as vacinas ajudarão os Estados Unidos a sair da crise — mas ressalta que a imunidade de rebanho (coletiva ou de grupo) não será atingida no curto prazo.

Para ele, depois de enfrentar o impacto biológico da pandemia em 2021, a humanidade terá de lidar com as consequências sociais, psicológicas e econômicas do vírus por um período bem maior antes de efetivamente entrar no que pode ser considerado uma era pós-pandemia.

“Se você olhar para o que aconteceu nos últimos 2 mil anos, quando as pandemias acabam, há uma festa. É provável que vejamos algo parecido no século 21.”

Leia trechos da entrevista:

Com o desenvolvimento de diferentes vacinas para frear a expansão de covid-19, estamos diante do princípio do fim da pandemia?

As coisas vão continuar ruins por algum tempo. Inventamos uma vacina, o que é algo milagroso, porque somos a primeira geração de humanos capazes de criar, em tempo real, uma resposta.

Isso nunca havia acontecido na história. Em apenas 10 meses conseguimos obter uma vacina. Ainda assim, ainda é preciso produzir centenas de milhões de doses, distribuí-las e, mais importante, convencer as pessoas para que se vacinem.

Pelo menos metade da população deve ser imunizada (para que os efeitos benéficos da vacina sejam percebidos), e isso levará pelo menos um ano, não vai acontecer mais rápido. Enquanto isso, o vírus segue se propagando.

Então vamos viver dessa maneira esquisita como temos vivido, com máscaras e restrições pelo menos até o fim de 2021.

Depois conquistaremos a imunidade de grupo, seja de maneira natural, porque o vírus infectou quantidade suficiente de pessoas para isso — com enorme custo humano —, ou porque muita gente se vacinou.

Essa é só a primeira parte do processo. E depois?

Em seguida, temos que nos recuperar dos impactos sociais, psicológicos e econômicos. Milhões de pessoas estão sem emprego ou tiveram de fechar seus negócios. Muitas crianças interromperam os estudos. E muitas pessoas estarão de luto. Superar todos esses problemas não será algo rápido.

Essa é uma dinâmica semelhante à de outras pandemias?

Se observarmos a história das pandemias, voltando milhares de anos, isso tomará tempo. Penso que a atual etapa em que a pandemia se encontra se estenderá pelo menos até o fim de 2021, em seguida virá um período intermediário e, por volta de 2024, entraremos no pós-pandemia. Não creio que estejamos no início do fim desta pandemia. Creio que estamos no fim do princípio.

E quais lições podemos aprender de outras pandemias que vivemos no decorrer da história?

São muitas. A primeira é reconhecer que a maneira como vivemos hoje parece antinatural, como se vivêssemos em uma época estranha, desconhecida. Mas as pandemias não são novas para nossa espécie, são novas apenas para nós. Pensamos que é maluco, selvagem viver esses tempos. Mas não é.

O que acontece é que estamos vivos em um momento em que há um evento que ocorre uma vez a cada 100 anos. É importante não perder a perspectiva.

Outra coisa é que, ainda que o vírus realmente seja perigoso, já que mata cerca de 1% da população infectada, não é pior que outros. Poderia estar matando 10%, 30% dos infectados.

Poderíamos estar enfrentando a peste bubônica em nível global, porque não há nenhuma razão específica para que um vírus mate apenas 1%. No filme Contágio, por exemplo, o vírus mata uma em cada três pessoas. Poderíamos estar nesse cenário, mas não estamos.

Ainda assim, estou irritado com a Casa Branca, porque eu e outros especialistas que trabalham com essas questões sabíamos que o vírus se tornaria um problema grave até o final de janeiro (de 2020).

E sabemos que o presidente Trump foi informado sobre isso há mais ou menos um ano e não tomou medidas. O país tinha que ter estado preparado para fazer um sacrifício compartilhado em nome da saúde coletiva.

Tinham que nos ter dito que havia algo grave acontecendo, que nosso mundo havia mudado, que havia um novo patógeno perigoso. Isso é algo que acontece a cada certa quantidade de séculos e temos que ser maduros para enfrentar.

Não somos crianças para fazer de conta que isso não está acontecendo. Não deveríamos ter escolhido o negacionismo, como fez o presidente. Não podemos mentir sobre o vírus, não podemos culpar os outros.

Aliás, culpar os outros é algo típico das pandemias. Na época das pestes nos tempos medievais, por exemplo, culparam os judeus; quando apareceu o HIV, os “culpados” foram os homossexuais.

Sempre houve a tentação de colocar a culpa em alguém. É algo estúpido, é só um vírus que nos afeta.

Uma das lições fundamentais das pandemias na história é que se trata de uma experiência humana essencial, que acontece raramente, mas que requer maturidade para ser enfrentada. Não podemos fantasiar com o que não está acontecendo.

Quais são os padrões que mais se repetem durante as pandemias, de acordo com o que observou em suas pesquisas?

Os vírus não são apenas um fenômeno biológico, mas um fenômeno social.

Tudo a que assistimos nesta pandemia, como a morte de trabalhadores da saúde, já aconteceu antes. Durante a peste de Atenas em 430 a.C., por exemplo, eram os médicos que morriam. Durante a peste bubônica em 1347, as enfermeiras, as freiras católicas que cuidavam dos doentes morriam, como acontece agora.

Outro padrão que se repete e que já havia mencionado antes é culpar os outros pelas epidemias. Os gregos, por exemplo, achavam que a culpa era dos espartanos.

Negação, mentiras, superstições, sempre estiveram presentes. Assim como a desinformação. Todas essas ideias estúpidas que têm circulado, como injetar desinfetante (contra o coronavírus), ou que o vírus é resultado de uma conspiração.

Outra característica das pandemias é a dor. As pessoas perdem membros de suas famílias, perdem o sustento, perdem o estilo de vida. Estes são tempos de dor.

Também existe uma dimensão existencial. Quando há uma pandemia, as pessoas buscam sentido em suas vidas, pensam mais sobre o significado moral de suas vidas.

Quando George Floyd foi assassinado, as pessoas entraram em um estado de ânimo reflexivo. Suas vidas estavam de alguma maneira em suspenso por causa do vírus. É como ir à igreja, te coloca em um estado de ânimo mais contemplativo.

Acho que vimos um pouco disso durante os protestos porque havia uma conexão mais profunda com nossa própria existência.

Olhando para o futuro, como será esse período pós-pandemia?

Quando conseguirmos a imunidade de grupo, ainda que o vírus esteja circulando entre nós, seu poder será menor. Em seguida virá o período intermediário, em que o impacto biológico da pandemia terá ficado para trás, mas em que ainda teremos de lidar com o impacto econômico e social. Por volta de 2024 entraremos em um período de pós-pandemia.

Em períodos de pandemia, as pessoas tipicamente se voltam mais para a religião, poupam dinheiro, são tomadas pela aversão ao risco, têm menos interações sociais e ficam mais em casa.

Mas na pós-pandemia, tudo isso ficará para trás, como aconteceu com os loucos anos 20 do século passado. As pessoas inexoravelmente vão buscar mais interação social. Vão a casas noturnas, restaurantes, manifestações políticas, eventos esportivos.

A religiosidade vai diminuir, haverá uma tolerância maior ao risco e as pessoas gastarão o que não puderam gastar. Depois da pandemia, pode vir uma época de libertinagem sexual e gastança desenfreada.

Se você olhar para o que aconteceu nos últimos 2 mil anos, quando as pandemias acabam, há uma festa. É provável que vejamos algo parecido no século 21.

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