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Tempo de travessia

Povo brasileiro derruba monstro ou vira personagem de Kafka

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior* - Foto de Arquivo

Com exceções que não conseguem mais se esconder nas sombras dos palácios, realmente o melhor do Brasil é o brasileiro. Como de hábito, passo os olhos em pelo menos dois jornais impressos diariamente. Por razões óbvias, me concentro mais detidamente nas editorias de Política, Opinião e Economia. Raramente não me surpreendo, positiva ou negativamente, com o que leio. Às vezes, após críticas silenciosas ou sonoras gargalhadas, avalio frases ou textos opinativos inteiros de colegas e, com mais frequência, de anônimos. Semana passada, registrei o desabafo de Vital Ramos de V. Júnior, habituê da seção de Cartas do Correio Braziliense.

O referido leitor escreveu que “Putin que nasce torto nunca se endireita: segura Otan, amarre Otan, segura Otan-tan-tan-tan-tan”. Embora reconheça o brilhantismo da frase, acho que, ao cunhá-la, ele esqueceu de também incluir os brasileiros que não combinam com os russos, seguem os ucranianos e se opõem aos seguidores do capitão presidente. Poetizando o que é poetizável, para esses, entre os quais me incluo, o melhor caminho são os Tempos Modernos a la Lulu Santos. ‘Eu vejo a vida melhor no futuro, eu vejo isso por cima de um muro de hipocrisia que insiste em me rodear…Eu vejo um novo começo de era, de gente fina, elegante e sincera, com habilidade pra dizer mais sim do que não”.

Lá se foram três anos e, como disse Renato Russo, “todos os dias quando acordo não tenho mais o tempo que passou, mas tenho muito tempo, tenho todo o tempo do mundo”. É verdade. Por isso, nada mais importante do que lembrar os escritos de Guilherme Arantes: “Amanhã será um lindo dia, da mais louca alegria que se possa imaginar…Amanhã, mesmo que uns não queiram, será de outros que esperam ver o dia raiar…Amanhã, a luminosidade, alheia a qualquer vontade, há de imperar, há de imperar…Amanhã, ódios aplacados, temores abrandados, será pleno, será pleno”. É essa plenitude que almejamos. Tudo que queremos, tudo que precisamos é que, acima do ilusório, a esperança volte a vicejar.

O Brasil anda tão complicado, mas vamos chamar nossos amigos, consertar o despertador, separar todas as ferramentas, esquecer o Lamento Sertanejo e voltar a andar, jamais esquecendo da máxima de Dalai Lama, para quem só existem dois dias do ano em que nada pode ser feito: o ontem e o amanhã. Mais uma vez parafraseando Renato Russo, lembro que a mudança grande chegou. E certamente para ficar. Apesar dele, “amanhã há de ser outro dia, de enorme euforia”. Afinal, outubro, “no sol de quase dezembro, eu vou…sem lenço e sem documento, nada no bolso ou nas mãos…mas com os olhos cheios de cores, o peito cheio de amores…sem livros e sem fuzil…eu quero seguir vivendo…ouvindo aquela canção do Roberto”. E sempre como muita Alegria, Alegria.

É chegado o tempo da Travessia. Se não ousamos fazê-la, ficaremos para sempre à margem de nós mesmos. Paulo Coelho estava absolutamente certo quando afirmou que não existe nada de completamente errado no mundo. Segundo ele, mesmo um relógio parado consegue estar certo duas vezes por dia. Portanto, se não houver alternativa, acreditemos no Réu Confesso, que, supostamente calçado com as sandálias da humildade e se utilizando dos versos cunhados por Tim Maia, pede para tentar de novo. “Devo admitir que sou réu confesso. E, por isso, eu peço para voltar. Se eu errei, me deixe tentar de novo”.

Se a terceira via não vingar, corramos o risco de errar. Está na Bíblia que o maior erro de nossa Linda Juventude é o de ver a vida passar com medo de cometer algum. Os tempos são ruins. Se não lutarmos para combater o monstro que nos assusta e incomoda, fatalmente perderemos o Trem das Sete e também nos transformaremos em monstro. Bendito quem inventou o belo truque do calendário, pois o bom da segunda-feira, do primeiro dia do mês, do foguetório de um novo ano novo e da renovação eleitoral é a impressão de que a vida não continua, mas apenas recomeça. Ficar Esperando na Janela não resolve. Melhor Andar de Fé, Com Açúcar e com Afeto e Começar de Novo na Boquinha da Garrafa. O resto são Detalhes. Na verdade, meu sonho é que o Brasil volte a ser uma bela e saudável Festa de Arromba.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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