O governo de Luiz Inácio anda devagar, quase parando. É impossível negar que a administração claudica, perde tempo com miudezas, com o varejo, enquanto o atacado vem sendo abiscoitado desavergonhadamente pelo grupo bolsonarista. O maior absurdo do momento político é perceber que, quando presidente, Jair Bolsonaro se encolheu nos palácios do Planalto e da Alvorada, de onde negociava, alinhavava e articulava um golpe de Estado e, para sorte do Brasil, produzia provas contra si. Um ano e cinco meses após ser derrotado nas urnas, o ex-mandatário e seus fiéis “patriotas” descobriram que havia pautas caras ao bolsonarismo e, de algum modo, defendidas pela sociedade.
Desde sua posse, Bolsonaro sabia que segurança pública é uma das prioridades da população brasileira. E por que não agiu lá atrás? Porque não havia interesse da turba e, principalmente, porque eram remotas as chances de recuperação da esquerda. Consequentemente, a ideia vigente era que a consolidação da direita pretensiosa estava no papo. Fica claro, portanto, que Bolsonaro e seu grupelho se elegeram em 2018 pensando exclusivamente em buscar mecanismos para minar a esquerda e, a partir daí, se perpetuar no poder.
Estivesse ele realmente preocupado com o país e seu povo, certamente seus parlamentares ativistas teriam proposto e aprovado à época o projeto extinguindo a saída temporária de presos em regime semiaberto, as famigeradas saidinhas, e a criminalização da posse e do porte de qualquer quantidade de drogas.
Não fizeram porque, embora fosse um tema da predileção popular, politicamente era desinteressante. E continua sendo. Para o bolsonarismo, o interessante sempre foi desgastar a imagem de Lula. O Brasil é apenas um detalhe. Ou seja, que se o objetivo da derrubada de Lula fosse alcançado o país que se…lascasse.
Não sou contra esses temas. No entanto, há coisas muito mais prioritárias que não andam. E não andam porque beneficiam o governo de Lula. O fato é que a onda conservadora avança no Congresso, onde o governo sente a falta de um interlocutor preparado para controlar a lascívia de parte da Câmara e do Senado. Não tenho recibo, tampouco vocação homossexual, mas recolocar o ex-deputado e ex-ministro José Dirceu no cenário político de ponta já ajudaria a reduzir o despudor da direita pelo prazer orgástico da política contrária ao povo, o maior beneficiário das propostas que os “patriotas” rejeitam.
O conservadorismo se movimentar faz parte do jogo. O que está fora das quatro linhas é a forma como jogam. Felizmente, os ventos têm soprado a favor. A elucidação do assassinato da vereadora Marielle Franco é o sinal mais eloquente de que nem tudo está perdido para quem pensa no progresso nacional.
Envolvidos até a medula no crime, o ex-chefe de Polícia do Estado do Rio de Janeiro, delegado Rivaldo Barbosa, e os irmãos Chiquinho Brazão e Domingos Brazão, respectivamente deputado federal e conselheiro de contas do Estado, foram presos nesse domingo (24). A prisão de figurões então acima de qualquer suspeita, incluindo o cidadão que deveria trabalhar pela segurança do povo, é a prova de que o sistema democrático ainda é o melhor caminho contra a impunidade.
Apenas para ilustrar, Rivaldo Barbosa foi nomeado chefe da Polícia Civil do Rio pelo general Braga Netto, então interventor federal no Estado, exatamente um mês antes da morte da vereadora e de seu motorista Anderson Gomes. Sem qualquer ilação insidiosa, vale a pena também registrar que Braga Netto foi ministro de governo e candidato a vice de Bolsonaro. Pode ter sido uma mera coincidência, mas pode não ter sido mera coincidência. Pelo sim, pelo não, a participação do delegado no assassinato ultrapassa todos os limites de sanidade.
Se esse escárnio não emociona os loucos, os insensíveis e os que se locupletam com o crime organizado, com certeza coloca o Brasil mais uma vez no topo dos países nos quais impera a lei dos mais fortes. Como sou positivista, o lado bom é que o esclarecimento da morte de Marielle se transformou em um inimigo a altura da estupidez dos extremistas, notadamente a de Jair Bolsonaro.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978