Isolado do mundo praticamente desde o início da pandemia, o Brasil sentiu o peso e a importância do desprezo nesse fim de semana, durante a Cúpula de Líderes do G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo. Não tenho registro de uma única vez em que um presidente brasileiro tenha participado de evento dessa natureza sem pelo menos um encontro bilateral com representantes globais na agenda. Abandonada, a comitiva brasileira deixará a Itália sem novas oportunidades, sem um acordo para chamar de seu. Além do turismo pago com dinheiro público, da pose para fotos e das críticas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que fez em Roma o grupo capitaneado pelo presidente da República?
Nada, a não ser mostrar ao planeta a bizarra forma de governar. A truculência e hostilidades a jornalistas foram a prova do descompasso do mandatário. O capitão sequer participou do passeio de autoridades. Parece o fim da linha para um país que já foi amado e idolatrado salve salve por latinos, europeus, asiáticos e norte-americanos. Hoje, nem os venezuelanos querem saber de nós. Sem atenção dos principais líderes políticos do mundo, o Brasil e o governo brasileiro se ressentem de um representante com algum brilho no cenário externo. E olha que já tivemos vários, inclusive alguns considerados desaculturados, mas com carisma suficiente para surpreender até mesmo expoentes do G20. Barack Obama que o diga.
O resultado é que, muito mais do que órfãos, estamos perdidos como nação. Não temos mais espaço, atenção, muito menos com quem conversar. Somos pária do mundo. Os parceiros de ontem nos viraram as costas. Nos faltam políticas de relações internacionais e estratégias de aproximação com países historicamente afins e sobram irresponsabilidades, incoerências e discursos irrelevantes, como o que foi feito em Roma, onde Jair Bolsonaro afirmou que Luiz Inácio foi financiado pelo “narcotráfico da Venezuela”. Cadê o Brasil que estava aqui? Apocalíptico, apoplético e, às vezes, alegórico, o atual presidente da República, com desenvoltura absolutamente ditatorial, só não foi esquecido pelos companheiros da extrema-direita italiana.
Pela sua conhecida conduta beligerante e pelo jeito golpista de governar, acabou merecendo o título de cidadão de Anguillara Veneta, cidade governada por uma prefeita extremista de direita. A “homenagem” não só gerou protestos de políticos e de religiosos, mas também várias camadas de esterco na sede da prefeitura. Em que pese vivermos no mesmo Brasil, não me senti homenageado. No Brasil de Bolsonaro e de seus simpatizantes é tudo maravilhoso. No meu país, onde se plantando tudo dava, uma “gripezinha” já matou 608 mil pessoas, a Amazônia pega fogo, os madeireiros nadam de braçada, a violência grassa, a milícia incomoda, mas não é incomodada, os índices de desemprego são assustadores e mais 20 milhões de pessoas foram empurradas em 2021 para níveis extremos de insegurança alimentar.
É pouco? Esperem até o fim da administração. Se tiverem dúvida, torçam pela reeleição do mito. Eu torço pela ressurreição nacional. Por maior que sejam as dificuldades e os desafios, acredito sempre em dias melhores. Ainda deixaremos de ser piada na mídia mundial. Espero viver para voltar a experimentar o carinho e o respeito dos líderes do G20 e da população sensata do Planeta Terra. Não podemos olvidar que em 2024 será nossa vez de sediar a cúpula. Falta definir somente a cidade. Tomara que esqueçamos rápido a vergonha de 2021 e voltemos, com a mesma rapidez, a respirar ares menos pesados, menos enfumaçados, mais verdadeiros e muito mais democráticos. Como na Copa do Mundo de 1950, quando choramos a perda do título para os vizinhos uruguaios, hoje somos um Maracanã escuro e vazio, um gigante adormecido.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978