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Basta de preconceito

Povo precisa sorrir em dia bom, aceitar os dias ruins e ter uma loira diariamente

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Autor/Imagem:
Arimathéia Martins - Foto de Arquivo

O Brasil cresce, aparece para o mundo, recupera o potencial econômico, mas internamente continua se mostrando como uma república atrasada, preconceituosamente ambígua e cada vez mais envolvida pelo unilateralismo, principalmente o político. Saudades do tempo em que os brasileiros debatiam política, futebol, religião e questões ligadas à cor da pele e à opção sexual sem xingamentos, agressões físicas e até mortes. Nessa época, a melhor rede social era uma mesa rodeada de amigos. Mais complicadas, nem mesmo as discussões relativas à ideologia ou aos clássicos entre Vasco e Flamengo ou Palmeiras e Corinthians terminavam em pancadaria.

A máxima era sempre a mesma: sorriso para os dias bons, paciência para os dias ruins e cerveja gelada para todos os dias. Morrerei achando que racismo, homofobia, transfobia, misoginia e coisas do gênero são incompatíveis com a contemporaneidade. Sou contra os exageros de um lado e de outro. Também acho exagerados os mimimis que, voluntária ou involuntariamente, acabam gerando preconceito velado. Enfim, sejam brancas, pretas, amarelas, azuis, rosas, lilás, ricos, pobres, machos convictos ou duvidosos, as pessoas do século XXI parecem ter se esquecido de que somos humanos e, como tais, prováveis seres felizes, tristes, carentes, invejosos, pedantes, lúcidos, nojentos, inteligentes, ignorantes e mentirosos, entre outros adjetivos.

Infelizmente, deixamos de ser normais. Ainda que estejamos comprando um leito no inferno astral, nossa opinião tem de prevalecer sobre qualquer outra. E não importa que a outra seja a correta. Somos sempre melhores do que os outros. Tenho visto com alguma frequência homens e mulheres disputando poder por meio da cor ou do sexo. A necessidade de se mostrar superior beira à irracionalidade. Minha falta de clareza na explicação tem a ver com a ausência de discernimento naqueles que em tudo veem algum tipo de preconceito. Por isso, é melhor chegar aonde quero usando situações vividas e que, por conta dos exagerados, não vivo mais. Em síntese, que pena ter perdido o verdadeiro conceito de liberdade de expressão.

Estúpidos e recorrentes, os intolerantes e implicantes de parte a parte não conseguiram viver em décadas passadas, quando todos os gêneros, classes, cores e religiões eram representados no teatro ou em programas de rádio e televisão sem patrulhamento. Tudo podia ser discutido sem qualquer pudor. Hoje, tudo soa como proibido, preconceituoso ou politicamente incorreto. É a chatice recorrente de quem repudia a si próprio. Didaticamente, são os discriminados discriminando apenas para se defender ou supostamente atingir monstros e rótulos que eles mesmo criaram. Triste, mas o que sempre foi normal atualmente é execrado por uma sociedade que se acha acima do bem e do mal, embora pouco se preocupe com o bem.

Obviamente que minha avaliação é específica, isto é, sem abrangência. Os que nela se incluem certamente reagiriam hoje ao grupo heterogêneo do Casseta e Planeta, programa que fez sucesso fazendo piadas com negros, brancos e homossexuais. Chico Anysio, o melhor humorista que o Brasil já teve, seria torturado em praça pública com seus personagens multifacetados. Por meio de seus textos talentosos, clássicos, claros e cotidianos, negros, brancos, pais de santo, pastores, malfeitores, arruaceiros, bêbados e gays entravam em nossas casas pelo menos um dia por semana. O objetivo era único: o contraste da alegria com as tristezas do país.

Tudo isso para dizer que ainda não consegui entender como minha geração conviveu, sem crises existenciais e sem salamaleques, com apresentadores fazendo piada com sua própria gordura, com gays, nordestinos e negros explorando temas e tipos que hoje não seriam aceitos pela sociedade e, também, com poetas gays, com um travesti jurado de programas de auditório e com um transexual que se transformou em padrão de beleza feminina. Com certeza, nos dias de hoje Faustão, Jô Soares, Cazuza, Renato Russo, Mussum, Zacarias, Jorge Lafond, Rogéria e Roberta Close morreriam de vergonha de ser os ídolos que foram para mim e para os que viveram no meu tempo. Como li em um texto apócrifo, sou do tempo em que a melhor maneira de defender direitos era expressá-los de forma educada e inteligente. Enfim, nessa época a liberdade de expressão não permitia que eventuais preconceitos se transformem em estupidez.

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