Dois anos após a posse, o que está faltando para o governo Bolsonaro deslanchar? Tudo. O que falta para esvaziar o pote até aqui de mágoas? Tudo. Por enquanto, o governo é pródigo em confusão, deslizes, negativas do óbvio, mentiras e desconstrução do que foi feito em administrações anteriores, principalmente na seara social. Se voltarmos no tempo, perceberemos que nada disso é diferente do enredo inicial. Desde a época de parlamentar, quando tinha prazer em apequenar o Congresso e os congressistas, aos discursos de campanha, ele (o presidente) deixou bem claro suas intenções à frente do Executivo federal.
Sem entrar no mérito, verdade que defenestrou Luiz Inácio e seus postes do cenário político nacional. Entretanto, com o mesmo sangue coagulado escanteou ministros sérios e competentes, fez alianças com Deus e o Diabo, se aliou ao mercenarismo norte-americano, comandado pelo ex-presidente Donald Trump, abandonou o povo à própria sorte no pior momento da pandemia, fez pouco caso dos imunizantes, especialmente os chineses, e – talvez o pecado capital – voltou aos braços do Centrão, grupo que exprime o que de pior existe na política partidária do Brasil. Na campanha, Bolsonaro e o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, tornaram pública a ojeriza do candidato e seu entorno ao bloco ao qual hoje fazem juras de amor eterno.
Uma rápida pesquisa ao noticiário de 2018 nos leva aos adjetivos mais honrosos usados por Jair Bolsonaro quando se dirigia ao Centrão. “Eles representam ineficiência do estado e corrupção”. O general Heleno foi além e, numa roda de simpatizantes, dançou e cantou uma paródia da música Reunião de Bacana, do saudoso sambista Bezerra da Silva: “Se gritar pega centrão, não fica um meu irmão…” Nem mesmo o slogan “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos” pode ser posto na conta do presidente.
Capitão paraquedista, ele (ou governo dele) apenas adaptou antiga saudação da Brigada de Infantaria Paraquedista, cujos integrantes normalmente eram cumprimentados com esse mantra. Na chegada ou saída para os saltos, o superior gritava “Brasil” e a tropa respondia “Acima de tudo”. Quem afirma isso é o professor, jornalista e coronel Fernando Montenegro, que, em novembro de 2010, comandou a ocupação e pacificação do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Ou seja, nada de moderno no front do Palácio do Planalto. Aliás, novo apenas o velho e insepulto Centrão.
Parece ficção ou novela mexicana, mas é a atual realidade brasileira. De repente, o que era antiquado e acabado voltou a ser contemporâneo, o que era péssimo passou a ser ótimo e o que denotava corrupção e ladroagem agora conota integridade, probidade e correção. Os corruptos de anteontem e os desonestos de ontem hoje são cândidos e capazes de mudar os rumos do país. Os xingamentos e insultos de 2018 viraram admiração, afeição e louvação em 2011. Dormimos em um mundo e acordamos em outro muito pior. Politizaram a vacina salvadora, menosprezaram um vírus letal, beijos e abraços viraram armas mortais e visitas a pais e avós tornaram-se um ato de amor.
Até a Amazônia, outrora pulmão do planeta, nem oxigênio tem mais. O mosqueiro do Congresso mudou de líderes, mas as cobras não param de sibilar para o leão, que já não ruge como antes. A turba percebeu que o poder não tem tanto valor se não estiver agregado a valores. Tudo isso para concluir que o feitiço tende a virar contra o feiticeiro. Novo presidente da Câmara, terceiro na hierarquia de Poder, Arthur Lira (PP-AL) recebeu mais votos que o esperado. De bravo soldado da tropa de choque do lorde water closet Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Lira passou a general sem farda da República. Agora, quer que o é seu de direito: os cargos e o din din das emendas. Quem paga a conta? Nós. Está nos anais.
*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978