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Preguiçoso, Congresso acusa STF de interferir no trabalho que não faz

Supostamente casas fazedoras de leis, faz tempo a Câmara e o Senado estão a reboque do Supremo Tribunal Federal. Com pilhas de processos até nos banheiros dos gabinetes, certamente as excelências de toga não gostariam de assumir um trabalho que não é deles. Tudo bem que, de alguma maneira, estão legislando e interferindo na seara alheia. Mas há uma razão clara e ao alcance de qualquer leigo: as excelências do poder efêmero se deram conta de que não servem para o que foram eleitos. Pelo menos é o que demonstram. Por isso, os ministros do STF tomaram a iniciativa de chamar para si a decisão sobre temas de interesse popular.

Portanto, a decisão ocorreu exclusivamente por conta da inércia dos deputados e senadores. Ou seja, como o vácuo é um vazio cheio de nada, natural que o espaço seja ocupado por aqueles que usam esse mesmo vácuo como se fosse o silêncio dando porrada. Diante da mudez dos congressistas, o STF fez isso contra Elon Musk. Preguiçoso, ávido pelo poder alheio e cada vez mais dependente do individualismo de falsas estrelas políticas, o Congresso faz tempo está ao Deus dará. O resumo da ópera é que há anos a Câmara e o Senado só trancam a casa depois da porta arrombada, isto é, só legislam após o Supremo legislar. Desde o impeachment encomendado de Dilma Rousseff, deputados que ascenderam à custa de altos investimentos na imagem interna se acham os donos do pedaço.

Tanto acham que, para desprazer da maioria do eleitorado, alguns se transformaram em eminências pardas de governos insossos. Foram heróis e cães guias de governantes que, longe da licença poética, administravam em braile, pois ainda hoje poucos sabem o que diziam ou faziam. Hoje, como baratas tontas, forçam a desarmonia para faturar poder. Repetitiva, onerosa e antidemocrática, a ordem do dia é ofender gratuitamente os ministros que resolveram trabalhar por eles, o que, no mínimo, significa passar recibo de uma incompetência parlamentar ilimitada. Esta semana, o STF formou maioria para ampliar o alcance do foro especial, aquele que atinge deputados e senadores.

Ou seja, a partir de agora, investigações e processos em trâmite no Supremo devem permanecer na Corte, mesmo que as autoridades processadas percam o cargo. Desnecessário dizer que os congressistas reagiram aos gritos de precisamos nos salvar. E por que reagiram? Porque eles querem ser os donos dos processos a que respondem. Se acham no direito de mandar no andamento. A matemática é simples. Caso sejam descobertos, deputados e senadores criminosos renunciam ou são cassados. Nesse caso, como eles somem da mira do STF, o processo volta à primeira instância, tem de recomeçar do zero e, naturalmente, vai para as calendas.

Para os críticos do nada, a intenção da Corte Suprema não é interferir no trabalho do Congresso, mas evitar a manipulação. Este novo confronto é somente mais um capítulo da medição de forças sem nexo entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Recentemente, após o STF decidir pela descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou texto de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) criminalizando o porte e a posse de drogas. A pergunta que não quer calar: Por que não fizeram isso antes? Digna de uma novela mexicana produzida no Equador, a disputa envolvendo os dois poderes não tem data para acabar. Por isso, a palavra final sobre a questão ainda é incerta.

No STF, a proposta que pode resultar na descriminalização do porte de maconha para uso pessoal foi paralisada por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Alguns juristas entendem que realmente cabe ao Legislativo a definição do arcabouço jurídico sobre a matéria. Então, repito, por que não fizeram antes? Obviamente por falta de interesse. A briga será boa. A tendência é que o STF descriminalize o porte de maconha. Como meninos mimados, os senadores também devem aprovar um texto no sentido oposto. Com a balbúrdia, há a possibilidade de o STF tornar inconstitucional a PEC de Rodrigo Pacheco. Vale registrar que a Corte só começou a discutir a matéria porque na Lei de Drogas há a previsão do crime de porte de drogas para consumo pessoal, mas não existe pena. É mais um dos absurdos da lei, na medida em que o princípio básico do Direito Penal é que haja uma pena para todo tipo de crime.

*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras

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