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Presidentes falam muito e fazem pouco pelo Brasil

Brasília (DF), 10.05.2023 - Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, desce a rampa do Palácio do Planalto para acompanhar a retirada das grades de segurança e vai ao encontro de simpatizantes. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Desde a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, elegemos ou nos impuseram presidentes de todos os tipos, jeitos, formas, quilates e maluquices. De alguma maneira, todos marcaram época. Já tivemos ditadores românticos e populares, déspotas violentos e sanguinários, tiranos que prendiam e arrebentavam, cinquenta anos em cinco, fujões sem causa, fujões moribundos, marimbondos de fogo, bonitinhos e ordinários, caçadores fracassados e empichados, topetudos de alcova, intelectuais de cama e mesa, honestos do tipo falseadores, mulher desinteligente que acabou no Brics, ordinários e articuladores, e ladrões metidos a honestos.

Na extensa relação, também ousamos ter mandatários infinitamente melhor pensando do que falando. Terrível foi aquele que, de tão distraído na hora de se recolher, beijou o relógio, deu corda no gato, enxotou a mulher pela janela e, dizem as más línguas, foi dormir com o cachorrão vira-latas. A plêiade presidencial a céu aberto também inclui quatro marechais e alguns generais sérios e comprometidos com a democracia. Dos 39 homens e mulher que já se sentaram na principal cadeira do poder brasileiro, apenas Luiz Inácio Lula da Silva tem no currículo um tricampeonato presidencial. Não é nada, não é nada, Lula resistiu à prisão, ao golpe desnorteado de um vice e à tentativa de um golpe militar comandado por um tenente, assessorado por um sargento, dois soldados, quatro filhos desinteligentes, generais de pijama, um ministro da Justiça aloprado e alguns patriotas sem eira e nem beira.

Não tenho condição – nem saco – para elencar o que fizeram os 38 presidentes que antecederam Lula. Mais fácil é indicar o que deixaram de fazer. Como certamente eu seria injusto qualquer que fosse a direção, melhor lembrar, na medida do possível, o que disseram sobre o Brasil e, principalmente, sobre os brasileiros. Alguns saíram da vida para entrar na história, caso de Getúlio Vargas, em agosto de 1954. Outro renunciou, mas, antes de fugir da raia, afirmou com todas as letras que metade do Congresso é incapaz, e a outra metade é capaz de tudo. Em resposta a uma correligionária, o mesmo Jânio Quadros disse que intimidade gera aborrecimento ou filhos. “Como não quero aborrecimentos nem filhos com a senhora, por favor, trate-me por senhor”

Mais triste do que lembrar que muitos brasileiros partiram depois do bordão “Brasil: ame-o ou deixe-o”, criado a pedido de Garrastazu Médici, é não esquecer que um outro general, o João Figueiredo, regurgitou em uma roda que preferia o cheiro do cavalo ao cheiro do povo. Morreu cedo e acabou fedido como todos. Eleito, Tancredo Neves não assumiu, mas não morreu em vão. Sem medos, era absolutamente claro. Tanto que, em conversa com um candidato a ministro, optou por não ouvi-lo por uma razão simples: era falador. “Então não me conte (o segredo). Se você, que é o dono do segredo, não consegue guardá-lo, imagine eu”. Não chegou a ocupar o assento, mas deixou para a história uma lição que, infelizmente, não foi assimilada pelos sucessores: “O mau do esperto é pensar que todo mundo é besta”.

Com a morte de Tancredo, Sarney adentrou a Presidência e foi claríssimo ao afirmar que “Governo é como violino: você toma com a esquerda e toca com a direita”. Foi exatamente o que ele fez. “Duela a quem duela”, surgiu um caçador de marajás saído das Alagoas de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Entre as várias promessas, jurou que seu primeiro ato como presidente seria mandar “para a cadeia um bocado de corruptos”. Não conseguiu e nem foi. Acabou deixando o Palácio do Planalto pela porta dos fundos. Além de acertar a economia, Itamar recomendou aos pais da época que fossem legais com seus filhos. “São eles que vão escolher seu asilo”. Verdade nua e crua. FHC nadou de braçada na serenidade do Plano Real de Itamar. Aos críticos, Fernandão sugeriu o fim “dessa república do nhem-nhem-nhem”.

Lula entrou e ainda está por aí. Talvez consiga uma quarta encarnação. Elegeu e reelegeu Dilma Rousseff, um poste que também deixou o Planalto pela porta traseira. Teve tempo de, no primeiro mandato, deixar sua marca: “Meus queridos brasileiros e brasileiras, pela decisão soberana do povo, hoje será a primeira vez que a faixa presidencial cingirá o ombro de uma mulher”. De seu sucessor, nada a declarar. E do Jair? Tudo a reclamar. Tido e havido como o pior presidente de nossa história, cunhou frases que o brasileiro sensato e correto não gosta de lembrar: “Não preciso dos votos das mulheres, dos LGBTs e dos negros”, “O erro da ditadura foi torturar e não matar” e “Pobre no Brasil só serve para votar. Com título de eleitor na mão e um diploma de burro no bolso”. E quando o país enfrentava uma de suas piores crises, a da pandemia, Jair dos Bolsonaros não perdeu tempo. Preferiu se eximir de qualquer culpa, dizendo em alto e bom som que não responderia à CPI: “Caguei”. Deve estar fazendo isso agora, mas nas fraldas, morrendo de medo de ser preso.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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