Raquel Souza tinha acabado de sair da adolescência quando, há sete anos, policiais entraram na casa de seu namorado, um traficante de drogas, e prenderam o homem, a jovem e uma amiga. Mesmo sem ter se envolvido diretamente com o comércio de drogas, ela foi condenada por tráfico e passou mais de quatro anos presa em regime fechado.
Depois de mais dois anos e meio em regime semiaberto e monitorada por tornozeleira eletrônica, a jovem de 27 anos conseguiu liberdade condicional. Fora do sistema prisional, ela conseguiu ter a carteira de trabalho assinada como costureira da empresa Tem Quem Queira, que confecciona bolsas e carteiras a partir de material reciclável.
“Além de gostar do que eu faço aqui, é daqui que eu tiro meu sustento”, conta a Raquel, mãe de três crianças, enquanto faz uma bolsinha amarela na máquina de costuras, no ateliê da empresa, no centro da cidade do Rio de Janeiro.
Raquel já trabalha na empresa há cerca de três anos, mas só conseguiu assinar sua carteira há um ano, quando deixou de vez o sistema penitenciário. “Foi importante sair com um trabalho. Eu tinha que trabalhar. Tenho meus filhos, moro de aluguel”, disse. “Se eu não tivesse emprego, o que eu ia fazer? Eu não teria um destino certo ou um trabalho para dizer ‘vou recomeçar minha vida por aqui’. A necessidade não espera. Às vezes, num desespero, você acaba se envolvendo em coisas que você não quer. Mas o desespero é grande.”
Elisiário Oliveira também é ex-detento e cumpre pena em regime semiaberto por tráfico de drogas. Ele trabalha na mesma empresa que Raquel e se considera um homem de sorte, por ter conseguido um emprego e poder sustentar seu filho de 3 anos. “Meu filho nasceu no dia em que fui preso”, lamenta o costureiro.
“A gente é humano, mas as pessoas acham que, porque a gente ficou preso, a gente vai voltar para a vida do crime, que vai voltar a fazer tudo o que fez antes. Poucas pessoas dão oportunidade para a gente. Muita gente sai da cadeia e retorna. Eu vi vários amigos indo e voltando, porque procuram emprego e recebem um não. É muito difícil ver um filho chorando, sem ter leite, sem ter um danone para dar. O Brasil tinha que dar um pouco mais de oportunidade para os presos”, disse Oliveira.
Dados do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen/MJ) contabilizam 600 mil detentos no sistema penitenciário brasileiro. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões), da China (1,7 milhão) e da Rússia (676 mil). .
Segundo a pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Vanessa Barros, que também integra o Observatório Nacional do Sistema Prisional, do Ministério da Justiça, a reinserção dos egressos do sistema penitenciário no mercado de trabalho é prejudicada pelo preconceito.
“Existe ainda um desconhecimento enorme sobre o egresso e um preconceito. O estigma de ser egresso coloca essas pessoas num lugar de extrema vulnerabilidade. Supõe-se que, pelo fato de terem cumprido pena, eles vão continuar eternamente criminosos”, disse a pesquisadora.
Para ela, é preciso haver mais programas governamentais que preparem os detentos para o mercado de trabalho antes que eles concluam suas penas. Vanessa Barros também critica a visão de parte da sociedade de que o encarceramento é a melhor solução para lidar com criminosos. Segundo ela, as prisões não recuperam os presos.
“Ele vai voltar, mas vai voltar de uma forma diferente, porque ali dentro, o que ele passou o degradou. Degradou seu corpo, seu espírito, sua sensibilidade. Ele está degradado e ainda encontra um mundo que o rejeita. A sociedade tem que entender que essa pessoa que estava ali presa, durante um tempo não se ouvirá falar nela porque ela está ali despejada [no presídio], mas um dia ela vai sair.”
A Usina de Reciclagem de Fortaleza (Unifort), que trabalha com a reciclagem de entulho da construção civil no Ceará, é uma das empresas que empregam ex-detentos. “Eu acho que a gente tem que dar uma oportunidade devido à situação do país hoje. Se a gente não abrir as portas para poder colocar essas pessoas para trabalhar, fica difícil”, observa o presidente da Unifort, Marcos Kaiser.
Vitor Abdala, ABr