Os problemas do sistema de saúde brasileiro são crônicos. Há décadas as justificativas para uma saúde muito aquém da que deveria ser proporcionada à população são recorrentes. Todos, sem exceção, reivindicam mais recursos.
No entanto, se analisarmos os números do setor, percebemos que o maior problema da saúde não está apenas na escassez de recursos financeiros, mas no desperdício, que corrói valores exorbitantes dos cofres do sistema.
O financiamento adequado dos sistemas de saúde é fundamental, mas antes de associar os problemas de saúde à falta de investimento, precisamos encontrar alternativas para aperfeiçoar os recursos já existentes. Isso pode ser feito por meio de melhores práticas de gestão, mais incentivos e políticas mais favoráveis ao desenvolvimento do país, evitando, inclusive, práticas de corrupção – que hoje tem impacto gigantesco para todos os setores da economia, especialmente a saúde.
De acordo com o relatório “O Financiamento da Cobertura Universal”, da Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 20% e 40% de todos os gastos em saúde são desperdiçados por ineficiência. Ainda segundo a OMS, apenas nos países desenvolvidos, a fraude e outras formas de desperdícios podem representar um custo estimado de US$ 12 bilhões a US$ 23 bilhões de dólares por ano para os governos.
Já dados da Rede Europeia para a Fraude e Corrupção na Saúde demonstram que dos US$ 5,3 trilhões das despesas globais em saúde, aproximadamente US$ 300 bilhões são perdidos para os erros e para a corrupção.
No Brasil, as pesquisas que antecederam as eleições presidenciais de 2014 apontaram a saúde como o principal problema na percepção dos eleitores. Ainda assim, pouco se ouviu dos postulantes à Presidência propostas para a principal queixa dos brasileiros. Quando muito, surgiram promessas de mais médicos, mais unidades de saúde, mais investimentos etc. A população está cansada de tantos “mais” que não surtem bons resultados. Talvez, propor “menos desperdício e corrupção” mudaria esse cenário devastador
O setor de saúde, pela complexidade e natureza das relações, muitas vezes vê-se envolvido em práticas prejudiciais aos seus objetivos finais. O modelo de remuneração atual, por exemplo, possui uma lógica que privilegia uma relação de custo-benefício perversa. Essa realidade precisa ser revista, e a melhoria na qualidade e na eficiência hospitalar, responsáveis por cerca de 50% das despesas de saúde de um país, são medidas urgentes. Precisamos também adotar políticas de incorporação tecnológica mais consistentes, baseadas em evidencias científicas e boas práticas assistenciais.
Não há dúvidas que os efeitos da corrupção são extremamente maléficos para a qualidade da gestão dos recursos destinados à saúde. No entanto, para combater o câncer, é preciso rever o excesso de burocracia e fragmentação no financiamento e na organização do sistema do país. A regulamentação excessiva e o desestimulo ao investimento privado acabam incitando os desvios de conduta como únicos meios para facilitar a circulação dos recursos, o número de projetos de investimentos e o crescimento econômico.
Vale enfatizar ainda que a corrupção é vista pelos investimentos privados e pelas autoridades públicas, comprometidas com padrões éticos de gestão, como um custo adicional que pode reduzir, ou mesmo desestimular, a implementação de projetos de investimentos.
No cenário global, o mercado tem adotado, com cada vez mais frequência, regras de conduta para orientar as suas atividades, evitando práticas não adequadas. Essa tendência também pode ser observada no Brasil. Melhorar a regulamentação e a governança – incluindo fortes mercados para sanção – e monitorar adequadamente a despesa pública apresentam-se como aliados importantes para estimular o setor de saúde brasileiro, público e privado, na adoção de códigos de conduta.
O desperdício e a corrupção devem ser sempre combatidos, em função de seus efeitos danosos sobre a produção, o investimento privado, a composição dos gastos públicos e a eficiência das políticas governamentais.
Além das iniciativas já citadas para um mercado mais transparente e atrativo para investimento, poderíamos citar também a implantação de políticas para eliminar as despesas desnecessárias com medicamentos (que representam em torno de 30% das despesas em saúde), além de melhoria de controle de qualidade dos medicamentos.
O Brasil vive um momento especialmente particular. Apesar dos mecanismos de fiscalização e combate à corrupção consolidados, o país ainda possui estruturas que favorecem a prática desse tipo de ilegalidade. Essa evidencia pode ser constatada nas movimentações recentes.
Apesar de trágico para a economia, os últimos acontecimentos demonstram que hoje há mecanismos que podem trazer à tona atividades ilícitas recorrentes, e esse é o principal indicativo de que finalmente estamos no caminho da intolerância para práticas que prejudicam o desenvolvimento do país.
Francisco Balestrin