Nas vastidões secas do sertão nordestino, onde a terra rachada reflete a dureza da vida de muitos, um fenômeno inesperado emergi das urnas das eleições municipais de 6 de outubro. No tradicional reduto do Partido dos Trabalhadores, o cenário político começou a mudar, mas não por razões de ideologia ou polarização política. A verdadeira mudança parece estar vindo da própria poeira do chão nordestino, onde antes germinavam programas sociais que sustentavam o apoio popular.
Historicamente, o PT construiu uma base sólida no Nordeste, em grande parte graças a programas como o Bolsa Família, que por anos injetou alívio econômico em milhares de famílias em situação de vulnerabilidade. As eleições presidenciais sempre refletiram essa conexão, com o PT colhendo altos índices de votação em estados como Pernambuco, Ceará, Piauí e Bahia. Contudo, nas eleições municipais, algo parece ter mudado, e o sentimento fracasso no ar seco das pequenas cidades, com minguados votos em candidatos do PT.
Não foi a chegada de uma nova ideologia conservadora que fez com que os eleitores revisassem suas preferências. A desilusão foi causada pela falta de continuidade e pela erosão dos programas sociais que antes lhes ofereciam um respiro. Ao longo dos últimos anos, a presença desses benefícios foi encolhendo; promessas feitas e não cumpridas foram engolidas pela poeira dos descasos e das crises. O corte de recursos e o atraso nos pagamentos de auxílios têm transformado a percepção dos eleitores.
“Antes, o Bolsa Família era o que nos segurava. Agora a gente só fica esperando… esperando, e nada”, diz Dona Maria Francisca, uma moradora de um pequeno povoado no interior de Sergipe. Ela lembra dos tempos em que os candidatos do PT faziam fila para serem bem recebidos nas campanhas. “Era automático: eles vinham, e a gente já sabia que nosso voto era deles. Mas agora, quem está olhando pela gente?”
A ausência dos programas sociais ressoou profundamente. As práticas de carreatas e comícios não foram mais suficientes para encobrir o sentimento de abandono que permeia os bairros mais carentes. O descontentamento não é apenas financeiro, mas também emocional. O voto, que antes era quase um símbolo de gratidão pelos benefícios recebidos, agora é moldado pela frustração com um governo que deixou de entregar o que prometeu.
Nas ruas das pequenas cidades, as mudanças foram sentidas. Muitos candidatos, aliados ao PT, encontraram resistência em antigas bases eleitorais. “Eles prometiam o que o governo federal ia trazer. Mas como prometer algo que já não chega mais?”, comenta João Carlos, um líder comunitário no sertão baiano.
Os candidatos de partidos opositores, antes sem chances reais de vitória em regiões dominadas pelo PT, agora ganham espaço. Promessas de alternativas aos programas federais surgem como novo foco de campanha. Ofertas de parcerias estaduais e privadas para resolver problemas locais, como a seca e a falta de empregos, ganham fôlego.
Em meio à aridez do sertão, os partidos precisam encontrar novas formas de atrair eleitores desiludidos, enquanto o PT vê suas raízes históricas secarem diante do deserto social que se criou. O solo nordestino, sempre árido, agora reflete também o abandono dos programas sociais. Com eles, o PT viu escapar, na poeira do sertão, o apoio que por tanto tempo lhe garantiu votos.
As eleições municipais mostraram isso. Não apenas para o PT, mas para a dinâmica política do Nordeste. O que emergiu das urnas poderá reescrever o mapa eleitoral da região. O sertão, que tanto sofreu com a seca física, agora enfrenta uma seca política e social que redefine seu futuro.