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Projeto mapeia a velha Brasília submersa no Lago Paranoá

Foto: Marcelo Camargo/ABr

Helena Martins

Vestígios da vida de operários que ajudaram a construir Brasília, objetos que fizeram parte do passado, espécies diversas. Parte da história, da fauna e da flora da capital federal ocultadas desde que as águas do Rio Paranoá correram pelo vale que acabou se transformando no Lago Paranoá, um dos locais mais conhecidos da cidade, poderá ser conhecida por toda a população a partir de outubro, quando imagens subaquáticas da parte do cerrado coberta pela água ganharem a internet.

A divulgação dos registros submersos faz parte do Projeto de Mapeamento Georreferenciado do Lago Paranoá. Idealizado pelo mergulhador Frank Bastos, a iniciativa consiste em um site colaborativo, que receberá dos mergulhadores vídeos e informações o que for encontrado em cada local. As descobertas serão checadas por outra pessoa, que navegará pela região. Depois dessa verificação, as informações se tornarão acessíveis ao público.

Frank conta que a ideia de registrar o que existe no lago veio da percepção de mudanças e da vontade de contribuir para a conscientização da população. Dono de uma escola de mergulho que promove aulas no local aos fins de semana, ele diz que vinha notando migrações e extinções de espécies de peixes e outros animais, bem como encontrando bastante lixo, inclusive objetos inusitados como banco de cimento e até um orelhão telefônico. Mapeando e registrando o Lago Paranoá e sua riqueza, ele espera sensibilizar a população para que cuide do local e também valorize a história da cidade. Além disso, o projeto objetiva estimular a preservação ambiental.

“Mergulhando, nós descobrimos, por exemplo, pontos de reprodução de espécies de peixes, exatamente em áreas destinadas ao turismo e à pesca pelo plano de manejo do lago. Por isso, acreditamos que o projeto pode ampliar a proteção de determinados locais. Sem informação científica, o próprio governo errou ao mapear o lago”, diz Bastos.

Segundo ele, o projeto também resultará no mapeamento das espécies, com a elaboração de um catálogo específico da vida encontrada no lago que deverá auxiliar pesquisas e discussões sobre os usos do lago. Para que tudo isso seja alcançado, Bastos espera que historiadores e biólogos se somem à iniciativa, que até agora agrega diferentes escolas de mergulho da capital.

Restos de casas, fazendas, estátuas, carros, ônibus e até um cânion são exemplos do que já foi encontrado e filmado pelos mergulhadores. Parte desses objetos estava a 15 metros abaixo da água, mas há áreas do lago com 40 metros de profundidade, que exigem diversos mergulhos para serem registradas. Alguns dos vestígios são conhecidos do público, pois foram registrados pelo repórter fotográfico Beto Barata, autor do livro Brasília Submersa – o Fundo do Lago Paranoá, de 2010. A novidade do projeto de georreferenciamento é a utilização de vídeos, bem como a elaboração colaborativa das informações.

Vila submersa – “Nós não temos objetivo comercial, não colocamos marcas para que todas as pessoas possam se envolver, mas um resultado provável é o aumento do turismo”, comenta Bastos. Com a divulgação das imagens, outras pessoas devem aprender a mergulhar para fazerem parte da iniciativa. Neste fim de semana, 18 mergulhadores devem submergir na área da Vila Amaury. Parte do grupo conhecerá o lugar pela primeira vez e passará a ajudar no mapeamento da região rica em história.

A vila abrigava cerca de 16 mil candangos que trabalhavam para erguer a cidade e suas famílias e foram transferidos para Sobradinho, cidade próxima a Brasília, após o lago encher. Lá, eles devem encontrar partes dos barracos e utensílios domésticos. Conforme a professora do Centro de Excelência em Turismo (CET), da Universidade de Brasília (UnB), quando as comportas se abriram e levaram à inundação do local, “as pessoas queriam salvar a si próprias, por isso deixaram muitas coisas lá, como documentos, brinquedos”.

Autora do livro Uma Cidade Encantada – Memórias da Vila Amaury em Brasília, que também está disponível na internet, Ivany Neiva conta que o registro oficial nunca valorizou essa história. “Tem muita gente que olha para o lago e, só pensando em um cartão-postal de Brasília, não lembra que lá moraram operários e suas famílias quando as águas chegaram”, diz.

Plano antigo – A concepção do Lago Paranoá remonta ao fim do século 19. Em relatório de 1896, o paisagista do Império Luís Glaziou anotou que, na localidade entre os chapadões Gama e Paranoá, existia um vale “em parte sujeita a ser coberta pelas águas da estação chuvosa; outrora era um lago devido à junção de diferentes cursos de água formando o rio Paranoá”. Por isso, para ele, era “fácil compreender que, fechando essa brecha com uma obra de arte […] forçosamente a água tornará ao seu lugar primitivo e formará um lago navegável em todos os sentidos”.

Em 1948, a Comissão de Estudos para a localização da Nova Capital do Brasil, presidida pelo general Poli Coelho, referendou os estudos da Comissão Cruls, segundo o Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal. A ideia foi retomada na construção de Brasília. Várias dificuldades atrasaram seguidas vezes a obra, que acabou sendo efetivada no início dos anos 1960. Segundo o instituto, “durante oito meses as águas avançavam mansas, lentamente, por sobre as terras secas e coloridas do cerrado. Terras inundadas”.

Durante a construção de Brasília, o presidente Juscelino Kubitschek teve de enfrentar não apenas problemas com as empresas responsáveis pela obra do lago e seguidos adiamentos do prazo de entrega, mas também a crença de críticos que afirmaram que, por ter um terreno poroso, o lago nunca encheria. Diante da concretização da “moldura líquida da cidade” que ajudou a erguer, como ele chamou, o presidente declarou: “Encheu, viu?”. Parte dessa história foi contada pelo próprio Juscelino no livro Por Que Construí Brasília?

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