Imerso na pior crise de sua historia, o PT é um partido que não depende exclusivamente do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sobreviver, dada a estrutura partidária capilarizada em todo o País, avaliam cientistas políticos ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo durante o 39º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), realizado na cidade mineira de Caxambu nesta semana.
O evento foi encerrado nesta quinta-feira, 29, no mesmo dia em que Lula participou, em Brasília, de reunião do Diretório Nacional do partido e fez um discurso cheio de recados à militância petista e aos defensores do governo Dilma Rousseff.
“O partido tem total capacidade para sobreviver sem o Lula, considerando, claro, todas as dificuldades que isso implicaria para o partido. Hoje, o PT tem estrutura partidária toda montada pelo País, tem capilaridade. Sem Lula, não morre”, afirma a cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos (SP), autora de livros e pesquisas sobre partidos políticos e o sistema eleitoral brasileiro.
Para Oswaldo Amaral, doutor em ciência política pela Unicamp e autor do recém-lançado “As transformações na organização interna do PT”, caso Lula seja diretamente atingido por investigações da Polícia Federal ou do Ministério Público, ou indiretamente, em função das atividades de um de seus filhos sob apuração da Operação Zelotes, isso não significaria automaticamente o fim do partido fundado em 1980 por intelectuais, artistas, sindicalistas e ex-opositores da ditadura militar.
“O PSOE (Partido Socialista Espanhol) sobreviveu sem o Felipe González (que governou a Espanha durante 13 anos e não conseguiu se reeleger após envolvimento em escândalos de corrupção em 1996), o Partido Trabalhista sobreviveu sem o Tony Blair (primeiro-ministro britânico cuja popularidade desabou após enviar o Reino Unido à guerra contra o Iraque com base em frágeis relatórios sobre armas de destruição em massa supostamente pertencentes ao regime de Saddam Hussein)”, comparou. “É preciso saber, no entanto, se as acusações em si contra o filho do Lula, sozinhas, têm relevância fora do espectro político.”
Amaral destaca, no entanto, números sobre a identidade partidária do eleitorado petista nos últimos cinco anos. “Em 2010, a identidade era de 25%. Hoje, é de 9%, ou seja, caiu rapidamente a identidade que o eleitor tinha com o PT. Esse é um tipo de consequência gerada também pela crise do partido”, avaliou o cientista político.
Impacto eleitoral – Outro elemento a ser acrescentado neste cenário de abalo de identidade do PT é a militância. “Seu eleitor faz o cálculo claramente e não se deixa abalar com insignificâncias. O (deputado fluminense Alessandro) Molon, por exemplo, saiu do PT, mas vai pagar caro eleitoralmente. Ele tem prestígio, é um bom quadro do partido, tem retidão, mas política não se faz só com isso. Não existe vida política sem estrutura partidária. No caso dele, qual é a estrutura que a Rede tem?”, questiona a professora da Unirio e cientista política Marcia Dias.
Nos anos 1990, a política brasileira produziu um bom exemplo de desmoronamento partidário. “Lembremos, pois, do PRN. Quando o Collor foi afastado, o partido desapareceu porque não era propriamente uma legenda”, disse.
A atual turbulência dentro do PT, agravada pela condenação do ex-tesoureiro João Vaccari Neto na Operação Lava Jato e somada aos desdobramentos da Zelotes, que inclui como alvo o ex-ministro Gilberto Carvalho, deve produzir seu primeiro prejuízo eleitoral já em 2016, segundo opinião de alguns pesquisadores.
“Quanto mais provas as operações colherem, pior para o PT e para o Lula. Os dois são unha e carne, ou seja, é impossível dissociar uma coisa da outra. Com isso, claro que será pior para o partido em 2016. O que tem que ser feito é descortinar todos os problemas, assumindo-os. A oposição já deve ter se dado conta de que o impeachment não vai para frente. Então, eles passam a querer atingir o Lula”, afirmou Maria do Socorro Sousa Braga.
O ex-ministro Bresser Pereira, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e também presente em Caxambu, faz avaliação similar “A derrota já vai ser para já, ano que vem. O prefeito (de São Paulo) Fernando Haddad já está sofrendo esse desgaste, sendo objeto desse ódio contra o partido. Mas não creio que ele saia do partido neste momento de crise em caso de disputa à reeleição municipal em 2016.”
Oswaldo Amaral ponderou que o impacto negativo para o partido em 2016 tende a se concentrar nas grandes cidades e capitais. Já Marcia Dias recorre à lógica partidária para sustentar que o impacto da crise atual do PT será mínimo em 2016. “A lógica partidária é outra nos Estados e municípios. Claro que a imagem do partido fica comprometida, mas a sobrevivência do partido depende de lideranças locais. Em nível regional, o partido é menos permeável a esses escândalos de corrupção”, afirmou. “O PT tem uma estrutura fortíssima. Se fosse tão vulnerável, já era para ter desaparecido. Não posso apostar no desastre do PT”, concluiu.