Em um futuro que parece cada vez mais desenhado com tintas de um passado sombrio, a Rússia e a Coreia do Norte dão as mãos, num aperto que reverbera pelos corredores do poder mundial. Nesta segunda, 14, quando Moscou sorri diante de um suave outono, Vladimir Putin apresentou à Duma (a Câmara baixa moscovita) o que muitos já previam: o Tratado de Parceria Estratégica Abrangente entre os dois países, assinado meses antes em Pyongyang. Para os analistas que sempre olham para o futuro com o faro dos oráculos, essa aliança é um prenúncio de novos tempos – e, ironia, a volta de velhas ameaças de épocas sombrias.
Soa, na verdade, a Apocalipse, termo bíblico (embora de origem grega) que acabou se tornando sinônimo de fim do mundo. Na Bíblia, apresenta supostas revelações divinas atribuídas ao apóstolo João, sobre o presente e o futuro das igrejas e da humanidade, sobre os últimos tempos… enfim, sobre o juízo final.
Mas, o que o texto frio do projeto de lei – transcrito no banco de dados da Duma -, não revela são as linhas invisíveis que costuram o futuro da geopolítica. Na superfície, é apenas um novo tratado, mais uma dessas formalidades diplomáticas entre nações que se apoiam na narrativa da soberania. Porém, ao se olhar mais de perto, quem sabe a curto prazo, observa-se que se trata de um novo capítulo de antagonismo global, uma linha divisória entre blocos que, como placas tectônicas, estão destinadas a uma forte colisão.
O que Putin e Kim colocaram no papel parece ser muito mais que um acordo de líderes; mostra-se como um pacto que ecoa as alianças do século XX, mas com uma roupagem moderna. Kim Jong Un, de olhar impassível, e Putin, com seu pragmatismo quase fatalista, apertaram as mãos em Pyongyang, selando não apenas um tratado militar, mas uma união simbólica que muito possivelmente reconfigurará o equilíbrio na Ásia – e muito além, como se enviassem uma mensagem aos Estados Unidos e à Europa.
Nos jornais de amanhã, os especialistas arriscarão: uma nova corrida armamentista no Pacífico? Um ressurgimento da bipolaridade global? E o que dizer da delicada balança na península coreana, onde o Sul se verá cada vez mais preso entre a aliança ocidental e a força conjunta de seus vizinhos do norte? Em Washington, discursos inflamados pedirão mais avaliações, enquanto a ONU será um palco de promessas vazias e vetos previsíveis?
Podemos estar vivendo um período de reviravoltas. Quem sabe este 14 de outubro seja a data em que foram dados os primeiros passos para uma nova ordem mundial se firmar sob a hegemonia russa e dos seus também velhos aliados chineses? Não será surpresa se, na velocidade com que os ponteiros dos relógios têm se movimentado, o mundo assista tropas russas e norte-coreanas em exercícios conjuntos, aviões sobrevoando regiões disputadas e discursos inflamados nas tribunas da ONU.
O futuro próximo poderá ser dominado por manchetes cada vez mais urgentes: “Tensão no Mar do Japão”, “Conflito iminente no Pacífico” ou, quem sabe, “Novo eixo de poder desafia a hegemonia de Tio Sam”.
Mas até lá, nas entrelinhas desse tratado que hoje parece apenas mais um pedaço de papel, as forças estão em movimento, preparando o terreno para dias que podem ser mais assustadores do que ousamos imaginar. Putin e Kim, sob os olhares do mundo, escrevendo a história – e o futuro, como sempre, será o grande palco onde essas variações, ou quem sabe, esses temores, poderão se materializar.