O tema da moeda comum entre Brasil e Argentina voltou a ser abordado em uma reunião entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Alberto Fernández, então presidente da Argentina. Esforços para trabalhos técnicos a fim de implementar uma moeda comum para o Mercosul foram considerados. Agora, com a eleição de Javier Milei, como fica o assunto?
Em seu primeiro ano de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tratou de voltar a fortalecer a relação com a Argentina, parceira histórica do país. Em meados de 2023, Lula esteve na Casa Rosada, onde se reuniu com o então presidente argentino e seu amigo pessoal, Alberto Fernández, para falar dos acordos entre os dois países.
Dentre os assuntos, a moeda comum para transações no Mercosul foi novamente colocada em pauta. A questão não é uma novidade e foi tratada em um artigo publicado pelo ministro da Economia Fernando Haddad em janeiro deste ano. Antes, o próprio Maurício Macri e Paulo Guedes também haviam falado sobre o assunto.
A criação de uma moeda comum trata de fins específicos, como relações comerciais de importação e exportação, com o objetivo de “tentar sair da triangulação entre as nossas moedas locais e o dólar”, explica Carla Beni, professora de economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“Não há nenhuma possibilidade, nem nunca foi aventada de retirar o real, por exemplo, de circulação e criar uma moeda nova, ou seja, comum aos países do Mercosul”, aponta a economista, diferenciando a moeda comum, cogitada para as negociações no bloco, de uma eventual moeda única — como o euro.
O que aconteceu com Brasil e Argentina? A pauta, no entanto, pode tomar outros rumos e ganhar novos capítulos com a chegada de Javier Milei à presidência da Argentina. Apesar de adotar um discurso mais brando no pós-eleição, o presidente argentino, durante a campanha, chegou a sustentar propostas como a dolarização da economia e o fechamento do Banco Central. Para Igor Lucena, economista e doutor em relações internacionais, a integração econômica entre os países neste momento é muito difícil.
A Argentina está passando por movimentos extremamente graves de reorganização econômica”, disse.
Segundo o economista, os ajustes devem, inclusive, impactar no comércio entre os países. “Vai haver um aumento da inflação, logo, um aumento natural dos preços tabelados. Isso vai fazer com que a população argentina gaste muito mais em produtos de necessidade básica. Consequentemente, a importação de produtos brasileiros torna-se mais cara e menos recorrente.”
Outro fator que dificulta o avanço de uma moeda comum neste momento são as questões diplomáticas. Beni considera que, pela agressividade expressada por Milei, as relações entre Brasil e Argentina ficaram mais enrijecidas.
“Você precisa de muita conversa, muita relação diplomática, para pensar em criar uma moeda comum. Tem que ser uma negociação muito harmônica e essa harmonia foi quebrada com o Milei.”
Ainda que os analistas tratem o fechamento do Banco Central como uma manobra difícil e haja um recuo por parte do presidente sobre o assunto, caso acontecesse, seria mais uma ressalva para o adiamento da criação da moeda comum.
“Como querer criar uma moeda comum que um país abre mão de ter um Banco Central? Então, eu acho que essa é uma conversa que vai ficar quase que na gaveta, em grande medida”, aponta Beni.
O que seria moeda única entre Brasil e Argentina?
A ideia, antiga entre os acadêmicos como citou Beni durante a entrevista, funcionaria da seguinte forma: imagine uma empresa brasileira exportando algum produto para a Argentina. Atualmente, os contratos são fechados em dólares porque há maior estabilidade na moeda norte-americana.
A empresa produz no Brasil em reais e precisa fazer a conversão em dólares para poder honrar os seus contratos.
A empresa na Argentina, quando entram esses dólares, faz a conversão e paga os custos dela em pesos, funcionários, insumos e outros gastos.
“Repare que há uma triangulação. A troca de peso por dólar, dólar por peso. A ideia é que como cada vez que você faz uma conversão, você acaba perdendo também uma parte do dinheiro, porque você tem as cotações, você tem o mercado financeiro intermediando, você tem as tarifas e a própria oscilação da taxa de câmbio”, explica Beni sobre o funcionamento das negociações.
Já com a moeda comum — que não tem a necessidade de ser uma moeda física, já que se tratam de negociações específicas — a quantidade de operações cambiais poderia diminuir, segundo Beni.
A economista, no entanto, reconhece que não é uma transição fácil e que “há uma dificuldade técnica para essa implementação“, sobretudo “em um embate que vai misturar agora a parte ideológica, econômica, financeira e diplomática”, pondera.
Além disso, a Argentina tem uma dívida alta em dólar e depende da moeda para a grande maioria das suas movimentações, o que, conforme Lucena, torna quase impossível “retirar do dólar o ponto principal de relações comerciais.”