Descompasso
‘Quando as fábulas virarem realidade, será chegado o momento do ataque final’
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Vivemos o contexto de um eterno bolero desesperadamente trágico.
Descompassado.
Para frente, para trás; dois pra lá, dois pra cá.
E assim teimosos, seguimos quase que por inércia.
Na espinha do corpo enfermo, a faca pontiaguda e no estômago a vertigem nauseabunda de uma imperdoável quebra de salto em plena dança decisiva no grande salão.
E a orquestra segue tocando enquanto o navio afunda vertiginosamente.
…
O Mestre e seus seguidores caminhavam entre prédios de arquitetura futurista em uma região pouco conhecida por eles.
Pararam e perguntaram a um homem de terno e gravata que, acocorado, procurava por algo em uma boca de lobo no asfalto.
– O que fazes, homem ?
– Procuro jabutis nas árvores e tubarões nas tocas. E daí? Isto é problema… Circula, se manda!
O Mestre concordou com a cabeça, olhou para os discípulos e seguiu pela rua central.
Mais tarde, um seguidor perguntou-lhe o que aquela conversa significava.
O Mestre pensou e respondeu-lhe:
“Lugares em transformação; enigma estranho: jabutis não sobem em árvores, tubarões não usam coleiras e nem vivem entocados em bocas de lobos. Qual a lógica, o sentido?”
E seguiram.
…
Anos depois, o Mestre e sua turma retornaram ao mesmo povoado da passagem anterior.
Na mesma rua central, quase toda a cidade vasculhava as árvores e as bocas de lobos dos bueiros após a semana de fortes chuvas.
O Mestre a tudo observou e compreendeu o poder transformador das fábulas em realidade.
“Assim é se lhes parece: jabutis já sobem em árvores e tubarões se soltaram definitivamente das coleiras; seguem entocados tramando o ataque final.”
E seguiram.
