Ele se chamava Aderbal, mas podiam chamá-lo de Carla que às vezes atendia.
Aos 60 anos, Aderbal não era uma drag queen esfuziante. Nem um cross dresser enrustido, colocando às escondidas a lingerie e o vestido da esposa. Aliás, não tinha esposa, era divorciado, sem filhos, vivia sozinho. Mas era o melhor escritor de histórias eróticas/de sacanagem lésbicas do Brasil. E as assinava como Carla, sem sobrenome. Carla, primeira e única. Suas colaborações eram relativamente bem pagas nos livros e revistas do país, e mais ainda no exterior: contos seus haviam integrado dezenas de antologias, traduzidos para diversas línguas.
O que tornava seu rosto triste, a boca sempre vincada para baixo, era a defasagem crescente entre Aderbal e Carla. Ela era um sucesso, ele não. Ela conquistava mulheres, ele não. E o pior era que ele gostava tanto da fruta que suas personagens chupavam até o caroço!
Talvez o problema fosse esse, ser chegado demais no negocinho. Nas raras ocasiões em que estava com uma mulher, a ansiedade de Aderbal era tamanha que reduzia as preliminares ao mínimo e se precipitava, segundo a velha fórmula “vai ser bom, não foi?”. Resultado: a parceira não atingia o orgasmo e saía jurando para si mesma nunca mais dar pra ele.
Carla não. Suas palavras tornavam-se dedos mágicos que tocavam cada dobrinha de pele escondida, ou uma língua sábia e experiente, que seduzia as leitoras e as levava ao delírio. Por vezes ela/ele passava horas à procura da palavra correta, a um só tempo delicada e sensual, apta a incendiar a libido das moças, com enredos de desenvolvimento lento e elaborado. Além disso, dominava a arte de adequar a linguagem ao veículo, com um estilo mais elegante nas revistas de histórias eróticas e mais direto nas de histórias de sacanagem, mas sem jamais cair na vulgaridade ostensiva. Tudo isso extasiava o público feminino, fazia de Carla um sucesso editorial e de vendas – e tornava Aderbal cada vez mais triste.
Certo dia, seu celular tocou. Número desconhecido.
– Boa tarde. Desejo falar com Carla, por favor.
– Não tem ninguém com esse nome – rosnou Aderbal.
– Seu Aderbal, não desligue. Olha, trabalho na editora que publica seus contos e sei que Carla não existe, é uma criação sua. O problema é que estou apaixonada por ela, e portanto por você também! – disse a mulher de um só fôlego. – Aliás, meu nome é Flávia, muito prazer.
– Muito prazer – respondeu ele mecanicamente. A repentina declaração de amor o tirara do sério. – Moça, você está apaixonada por Carla, não por mim…
– Entendo, Adê (o apelido o agradou), mas dá pra amar você também. Olha, estou perto de sua casa. Vamos nos encontrar em meia hora no barzinho da esquina? Há coisas que prefiro falar olhando pra você – disse com um risinho malicioso.
Uns 40 minutos depois, de banho tomado, ele entrou no bar e viu uma morena bonita, sentada sozinha, com uma cerveja pela metade diante de si.
– Flávia?
– Adê?
– Olha, gostei do que vi, moço. Você não usa barba, isso ajuda. Acho que vai dar pra gente transar gostoso…
– Flávia, você não tá entendendo. Raras vezes consigo fazer uma mulher ter um orgasmo…
– Olha, Adê, imaginava que poderia haver um problema desses. É que a Carla é muito forte, dominante, e quando você vai pra cama faz questão de deixá-la de fora. É só convidá-la a participar que vai ser uma delícia!
Ele olhou-a sem entender bem. Ela prosseguiu.
– Você conhece as declarações líricas que a Carla já fez em louvor do clitóris, afinal foi você quem escreveu. Instrumento destinado ao prazer, dotado de mais terminações nervosas que o órgão masculino… – Tomou fôlego e continuou:
– Você tem de levar a Carla pra cama e deixá-la conduzir a transa. Nada de pressa, Carla nunca tem pressa. – E com um sorriso, concluiu:
– Imagine que você não tem um pênis, e sim um clitóris avantajado. Ele tem menos terminações nervosas, tadinho de você, mas ainda assim pode dar muito prazer a nós dois.
Os dois saíram do bar, entraram no primeiro motel e transaram feito coelhos. A primeira vez não foi muito boa, ele terminou rápido, mas Flávia garantiu que a segunda seria muito melhor, mais demorada e gostosa. E foi mesmo.
Desde esse dia, Aderbal é muito mais feliz. Transa regularmente com Flávia, mobilizando todos os ensinamentos que expôs com maestria em seus textos lésbicos e sendo conduzido por ela. Só tem um probleminha: Flávia o veste de mulher, aplica-lhe maquilagem, depois despe-o bem devagar e chama-o de Carla o tempo todo. Mas Aderbal não liga. Afinal, o que um macho não faz por amor?