Notibras

‘Quando o medo me faz devanear … e me agarrar mais à vida’

É sempre assim, só de pensar em ter que sair começo a passar mal. A respiração agita, o coração acelera, a visão embaralha, sinto vertigem.

E hoje não está sendo diferente. Acordei agitado e me recuso a levantar da cama.

O barulho da rua me empurra para fora do meu alicerce. Tomo coragem e levanto. Aproximo meu olhar da janela, mas o corpo involuntariamente me faz caminhar até lá, espreito o movimento da rua, a insegurança invade o meu ser.

Afasto da janela, passo diante do armário, evitando encarar o espelho.

Hoje recuso confrontar comigo mesmo e os meus medos. Em outros tempos, pararia diante dele e me contemplaria, tal qual Narciso. Mas neste instante, não tenho coragem de despir a minha sensibilidade humana. Para completar a minha insegurança, ouço ao fundo a buzina do vendedor ambulante e o movimento do trânsito, isso aumenta a minha tensão.

Apalpo cada espaço do meu quarto com os olhos, preciso urgentemente registrar na memória cada objeto, planta, livro,.. e quanto mais olho mais fico ansioso, a visão distorce, o daltonismo reaparece. Por breves instantes enxergo tudo verde. É sempre assim, quando fico frágil emocionalmente o daltonismo ataca, as imagens duplicam, quadriplicam.

Desesperadamente olho cada móvel, cada objeto, cada detalhe como se fosse a última vez que os contemplaria. Anseio registrar cada detalhe nas minhas retinas assustadas, daltônicas e exaustas desse aprisionamento. Quero por que quero encarcerar este momento. Penso: nem o Coringa pode me ajudar. E as minhas estantes cheias de conhecimento? E as minhas plantas? Acendo um incenso para acalmar e purificar. Purificar o quê? O ar? Os meus medos? A visão embaralhada? A minha sensibilidade?

A contragosto decido sair do quarto. Caminho até a porta. Quando vou aproximando deparo com esta frase: “a morte te espera lá fora”, estremeço. Quem a escreveu? Quando? Não tenho tempo pra isso.

Abro a porta, decidido a enfrentar os outros ambientes/mundos. Arquejo de arrepio, minha visão altera novamente. O daltonismo me assombra.

Visualmente o cômodo fica verde, as imagens se repetem. Meu coração palpita, mesmo assim decido percorrer a casa.

Andando pelo corredor, a cortina fechada aguça a minha curiosidade, por um momento fico tentado a enfrentar o mundo lá de fora, mas o medo invadi e me impede de abri-la. Saio imediatamente dali com a respiração acelerada. Ouço os meus passos.

Entro no banheiro em busca de coragem. Sigo em direção a área. Miro os prédios vizinhos, em busca de um olhar compreensivo, cúmplice, incentivador. Não encontro. Dou meia volta, ando em direção a cozinha e repito o ritual, registrar o máximo de imagens possíveis em minhas pupilas aflitas.

O emocional continua incontrolável, pois está aproximando a hora, a tão fatídica hora de encarar a rua. A visão embaralha novamente. Mais uma vez, retorno a enxergar de forma diferente. O meu daltonismo insisti em me humilhar.

Pego a máscara, minha arma contra a morte. Reflito: como um ser invisível e minúsculo ao olho humano, mas visível aos olhos/lentes dos microscópios pode ceifar tantas vidas? Apesar do nervosismo ainda reflito.

Pego o lixo resmungando mentalmente, pois minha respiração ficou mais ofegante. Estúpido lixo, tu és o responsável por todo esse flagelo que estou vivendo. Ofego novamente. Tomo coragem. Apesar do medo, abro a porta, espreito o corredor, e na maior pressa deixo o lixo ao lado da porta da entrada. Fecho-a o mais rápido que posso. Procuro o álcool. O desespero quase me cega, enfim o encontro, borrifo-o nas mãos lavando e desinfetando-as da morte. Mesmo assim continuo ansioso.

Saio da cozinha, paro no corredor, ainda eufórico devido a aventura de ter colocado o lixo do lado de fora. Respiro, por um momento miro o pôster do Coringa. Neste breve instante nossos olhares se cruzam.

Tenho a estranha sensação, que ele está gargalhando de mim, da minha humanidade. Ele deve estar caçoando por eu ter medo de um ser invisível, minúsculo e mortal. Eu que quando criança sonhava em ser super-herói, usar máscara e enfrentar todo tipo de inimigo para salvar a humanidade.

Devaneando nestes irônicos e patéticos pensamentos, sigo o corredor em direção do meu alicerce, do meu refúgio que é o meu quarto, meu tão amado quarto.

Quando vou aproximando do meu porto seguro, desvio o olhar desse personagem que tanto admiro. Adentro o cômodo, sento na cama para descansar dessa epopeia. Mesmo agitado sinto que mais uma vez sobrevivi.

De repente, um leve arrepio percorre a minha coluna, de súbito a vista escurece. Estremeço de pânico. Pressinto a morte a espreita.

Desesperadamente tento agarrar a vida.

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