Com a máscara do orc Nick Jakoby, interpretado por Joel Edgerton no filme Bright, que estreou na Netflix em 22 de outubro, Will Smith caminhou pela multidão que lotou o São Paulo Expo, na Comic Con Experience, a convenção de cultura pop realizada entre 7 a 10 de dezembro e atraiu 227 mil visitantes. No domingo, último dia da também chamada CCXP, passou quase despercebido e até fez graça com alguns fãs.
Foi tirar a máscara, o alvoroço tomou o espaço. Gritos de “Will! Will!” eram ouvidos de dentro do auditório onde Bright, o novo filme de David Ayer, era exibido em uma espécie de pré-estreia para pouco mais de 3 mil capazes de garantir uma cadeira ali dentro. Depois do longa, Smith, Ayer e Edgerton iriam conversar sobre a mega produção da poderosa empresa de televisão sob demanda.
Era a hora de Will Smith. Entre outras coisas, o astro fez beat-box, abraçou a bandeira do Brasil e incorporou o seu personagem de Um Maluco no Pedaço (nome traduzido da série The Fresh Prince of Bel-Air, exibida à exaustão pelo SBT desde 2000) ao cantar a música tema da série. Quem ainda estava sentado se levantou. Pularam. Cantaram junto. Riram com as gracinhas do astro.
Com pouco mais de 30 anos de carreira – iniciada na música, na cena de rap da Filadélfia, ainda nos anos 1980, sob o nome de The Fresh Prince -, Will Smith provou ser um dos ícones da cultura pop. Tem o sorriso largo necessário para apaziguar multidões, o timing bom para gracejos e conhece como poucos os atalhos do entretenimento. Da cena de hip hop underground, ele foi parar no Grammy, em 1989, com a música Parents Just Don’t Understand, publicada pela parceria do então Fresh Prince e o DJ Jazzy Jeff. O duo ainda conseguiu mais um gramofone, com a canção Summertime, lançada dois anos depois, até a poderosa emissora NBC chamá-lo para estrelar a sitcom Um Maluco no Pedaço, na qual ele interpretaria um personagem levemente baseado em si mesmo.
Se a cultura pop tivesse a força de hoje nos anos 1990, não existiria estrela maior no mundo do entretenimento do que Smith. Além de Um Maluco no Pedaço – uma série mais amada por fãs do que aclamada pela crítica -, no ar de 1990 a 1995, o ator emendou Os Bad Boys (de 1995), Independence Day (1996) e MIB: Homens de Preto (1997). Esse trio arrecadou US$ 1,547 bilhão em bilheteria.
Na década seguinte, o astro tentou deixar o pop e ser aceito pela Academia do Oscar e tem duas indicações, com as atuações em Ali (2001) e À Procura da Felicidade (2006). Desde então, o ator vem fazendo um movimento para voltar ao universo que o recebe tão bem – como pode ser visto durante sua visita à Comic Con Experience. Na primeira parceria com David Ayer, viveu nas telonas o Pistoleiro, o protagonista do filme Esquadrão Suicida, baseado no grupo de mesmo nome dos quadrinhos. A tentativa foi frustrada, contudo, porque o filme acabou por se tornar Frankenstein de ideias não muito bem executadas com muitas intervenções dos chefões do estúdio.
Sua nova aposta está em Bright, de novo sob o comando de Ayer, o ex-fuzileiro naval e roteirista de Dia de Treinamento.
Criado no submundo de Los Angeles, Ayer tem uma visão mais escura e raivosa da cidade. Tudo isso, contam os atores depois, vai direto para a tela – ou para o smartphone. “David Ayer é um daqueles diretores de uma lista que eu tenho ao lado de Ang Lee, Michael Bay e Christopher Nolan. Se algum nome desses me chama, eu vou”, disse o ator, na CCXP.
E Bright, filme lançado exclusivamente na Netflix, pode ser a aposta acertada. Além da crueza e escuridão das ruas de Los Angeles e uma trama policialesca, Ayer acrescenta um tempero fantasioso. “É como se fosse Dia de Treinamento com O Senhor dos Anéis”, brincou Smith durante a entrevista coletiva realizada com a imprensa brasileira e de outros países da América Latina, no dia seguinte à apresentação e à farra na Comic Con Experience
Bright parte de uma ideia estabelecida de que humanos e seres como elfos, orcs e fadas convivem há milênios. Vive-se, no filme, como os dias de hoje, mas com algumas alterações. A discriminação racial e a discrepância financeira também é traduzida para o novo cenário. Os mais ricos e abastados são os elfos. Os orcs sofrem no presente com as ações dos antepassados e são relegados. Nick Jakoby, o personagem de Edgerton, cuja máscara Will Smith usou para caminhar pela CCXP, é o primeiro entre os orcs a ser aceito pela força policial. E Jakoby se torna parceiro de Daryl Ward (Will Smith) e, na viatura, cria-se uma tensão interracial.
Smith, na tela, vive papel do privilegiado. “Foi interessante ser o personagem que estava mais elevado na hierarquia social, procurando alguém para colocar para baixo e mostrar a superioridade”, explica Smith. “Mas tomamos cuidado para não ficar tão pesado. O divertido dos efeitos especiais é que você consegue falar de coisas que não conseguiria falar.”
A julgar pela reação do público durante a exibição da CCXP, a Netflix pode já encomendar uma continuação para Bright. Will Smith fez a sua parte.
Bright é também um passo grande da Netflix no universo dos cinemas. Se o serviço já se estabeleceu no âmbito das séries – já foram 4 Globos de Ouro e 37 Emmies, afinal -, ainda patina na luta contra as grandes empresas de longas-metragens. O drama Okja, por exemplo, teve sua estreia vaiada no Festival de Cannes, neste ano. Bright vai ao encontro das grandes produções de blockbusters. Ted Sarandos, diretor de conteúdo original da empresa, contou em setembro, à reportagem, que os planos são ambiciosos. “Estamos investindo em filmes tendo em mente aqueles que não moram ao lado de um cinema”, ele conta. “A indústria vai ficar cada vez maior e podemos ser o lar de filmes pequenos e médios.”