Espelho, sou eu
Quando se vivem múltiplas identidades e divergentes personalidades
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emÀ noite, quando tudo silencia restando: o ébrio desnorteado largado entre a calçada e o meio-fio e as prostitutas com seus gigolôs a acertarem as contas. Vago pelas ruas.
Passo despercebido entre eles, porque nossas identidades se confundem. Não sei mais quantas vezes subi e desci a rua ou rodei o quarteirão.
A escuridão desenha o meu ser. Sou sombra que desaparece na sombra, somente notada pelos arrepios em corpos de quem esbarra em mim, atrasado por outros motivos.
Ruas escurecidas. Iluminadas apenas por uma ou outra lâmpada distanciada em esquinas com endereços definidos – mas não o meu.
Vagueio respirando ofegante sabendo entender meu destino. Somente uma sombra invisível na noite. Sem ver-me, mas sentir-me.
Despido de fome e de sede, alimento-me das energias da madrugada. Densas e sombrias.
Preciso do agito noturno, das drogas, das agressões e violência da natureza primitiva, da marginalidade obsessiva e do sangue.
Sei não ser único, ao mesmo tempo, que sou – todos.
Na verdade, vivo minhas múltiplas identidades e divergentes personalidades.
Saber-me monstro com tempo de liberdade controlada é vantagem e desespero.
Sei de outras sombras escondidas nas carnes. Elas têm seu lado revelado quando provocada.
Há quem se assombre 24 horas ao dia. Outros menos dominados. Difícil não ser mau apesar da capa de cordeiro.
Fosse possível enxergar o invisível da maldade alheia, poderia assistir o tosquiar-se pensando em reviver diferente.
Logo, a veste cresce e nem lobo se transforma – porque é sombra na sombra.
O mal, dentro de cada um se disfarça.
Não experimentado se cala. Descontrolado domina.
Por segundos perde a consciência, não quer, mas sente a necessidade de busca. Obrigação a cumprir missão.
Pensamentos embaraçados maltratam. Acusam a todos por saberem-se culpados. Trazem nas veias o bárbaro atávico.
Sentem as vidas passadas acumuladas e novas a agrupar.
Sobrenatural. Sei que sou. Mas não cabe explicar. Pior que o inferno: oferece, ofende e mata.
Fênix das ruínas e do fogo destruidor: ressuscitada em formas variadas do horror que atravessam o tempo sem pudor e que somente alveja um.
A cada um do seu modo.
Atormentado e atormentador – obsedado e obsessor. Assim. Cheio de medo. Sombra das sombras que vivencio. Sombra da sombra de agora e sombra das sombras que estou fadado a viver. Monstro – Sou lenda urbana que ninguém conhece – não a única
Permeio em todas que aterrorizam o forte e o fraco, o culpado e o inocente, o saudável e o doente.
Espelho – sou este monstro escondido de você.
Liberto da imagem, cuja morada é nas entranhas. Sou minha sombra.
Espelho… Só o cordeiro você vê.
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O conto Espelho – sou eu, foi publicado na antiga revista Mystério Retro