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O peixe morre pela boca

Quando Sua Excelência se engasga no cafezinho da Câmara

Publicado

Autor/Imagem:
Hannah Carpeso - Foto Produção Irene Araújo

Hannah Carpeso

Na cafeteria do Congresso, encontrei um deputado sentado à meia-coxa, numa banqueta junto ao balcão. Enquanto eu caminhava em direção a uma das pequenas mesas, ouvi:

– Um café expresso sem açúcar.

Observei que Sua Excelência não usou o de praxe:

– Por favor, ou por gentileza…

De modo sutil, dei aquela “tirada” de alto a baixo. Homem bem-vestido, terno impecável, relógio Rolex, sapato de cromo alemão e, acredite, abotoaduras! Um “sem-não”.(tudo nos trinques).

Fiz questão de usar todo o meu charme. Com certeza, meu decote e minhas madeixas ruivas não me permitiriam passar despercebida.

A cafeteria estava praticamente vazia.

Ele ocupava um canto do balcão. Decidi me aproximar:

– Um café carioca com bastante açúcar! Por favor…

Percebi que ele me notara e de forma discreta permaneceu atento em mim. Não resistiu:

– Café carioca açucarado? Aguado e doce?!

Respondi, com aquele olhar de canto de olho, fingindo indiferença:

– Pelo que ouvi Vossa Excelência prefere café forte sem açúcar. É um Q-Grader ou curando ressaca?

Ele sorriu.

– Nem uma coisa nem outra.

Para provocá-lo ainda mais, respondi com o velho ditado:

– De amarga, basta a vida!

Dei um jeitinho de puxar a saia, ao sentar-me na mesinha próxima.

Insisti:

– Vossa Excelência não gosta de açúcar ou é diabético?

– Não. Nem uma coisa nem outra. – repetiu, com certa indignação.

– Então, exatamente do quê Vossa Excelência gosta? – balbuciei, empurrando a mecha de cabelo que insistia em cair sobre meu rosto, ao mesmo tempo em que levava a xícara aos lábios. – Eu sei do que o senhor gosta…

Olhou-me, pego de surpresa, tentando entender a ambiguidade da pergunta…

Sem lhe dar tempo, respondi com a maior cara de paisagem:

– Dinheiro!

Com ar franzido na testa, olhos apertados como se fosse míope, tentando descobrir minhas intenções…

– Acho que todos nós, a senhorita também.

Fingi não entender a sua emoção contraída e respondi:

– Claro! Agora mesmo, estou aguardando uma amiga para conversarmos sobre investimentos.

O deputado, refeito do susto, perguntou:

– A senhorita faz negócios aqui no Congresso? Digo, é lobista?

Ao que respondi:

– Não. Vim a convite, mas pelo que andei ouvindo, as coisas estão muito difíceis para os congressistas.

– É mesmo! Que vida!

Em seguida, se entregando, aliviado, continuou…

– Antigamente, tudo era fácil. Conversávamos no café da manhã; no almoço, definíamos o que queríamos e, no jantar, já dividíamos o lucro. Hoje, os tempos são muito difíceis. Para termos um café da manhã, temos que falar em código! No almoço, desconfiamos até do garçom e no jantar… Ah! O jantar é marcado para depois de um mês, em local privativo, onde câmeras e celulares não possam alcançar. Assim mesmo, cada um quer mais do que o outro, e os antigos 10% não existem mais!

De repente, ele se deu conta que falara demais. Percebi e disfarcei:

– É mesmo! Os tempos são difíceis. Não dá pra confiar em ninguém. Eu também sofro do mesmo problema. O senhor acredita que, antigamente, íamos ao salão fazer manicure, pedicure (enquanto falava mostrava as mãos e os pés bem-feitos) com massagem nos pés, depilação e sobrancelha. Hoje?!… Você faz as unhas, não as mãos! As unhas dos pés, não os pés! Depilação, em outro lugar, que é quase uma clínica de estética! Ah… Sobrancelha também virou franquia. Imagine o tempo que perdemos para fazer um embelezamento simples!

Sua Excelência, o deputado, olhou-me, patético. Chamou o garçom. Calou-se. Pagou o café e saiu sem dizer palavra.

Permaneci charmosa, tomando o meu café. E ri.

O garçom, que se aproximava para retirar a louça, não pôde deixar de ouvir – conteve o sorriso.

Aproveitei para pedir uma garrafinha de água e me expliquei:

– Deve ter me achado louca, mas é o que merecem, quando vêm com gatunices.

– Ladrão sem-vergonha!

Logo a porta se abriu e minha amiga entrou.

Sentamo-nos juntas e dividi com ela a piada que armei pra cima do “Sua Excelência”. Ela não resistiu:

– Você precisa vir quando acabar a sessão do plenário. Aí, sim, vai saber o que é conchavo. Não é, Carlos?

O garçom disfarçou e voltou para detrás do balcão.

Afinal, o peixe morre pela boca.

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