Vale a pena
Quanto custa ter (ou adaptar) uma casa inteligente?
Publicado
emMaria Zilah Getti, de 77 anos, só tinha uma exigência na construção do seu novo lar: uma casa inteligente. Seguindo as ordens da nova moradora, a arquiteta Flavia Ranieri, do escritório Mys Senior Design, instalou um sistema de luz e som integrados, fechaduras automáticas e mais uma série de aparelhos que atendessem às necessidades e vontades de Dona Zilah.
O que era luxo agora significa comodidade. A tecnologia na casa garante, para pessoas de todas as idades, segurança, personalização e economia. Em tempos de coronavírus, passou também a ser uma medida sanitária, uma vez que a maioria dos comandos é feita por assistentes de voz ou programação, evitando o toque.
As iniciativas podem ajudar ainda pessoas com algum tipo de deficiência, com botões que fazem prateleiras descerem ou lâmpadas conectadas com a campainha, o que permite que pessoas com dificuldades de audição possam entender a presença de uma pessoa na porta.
De acordo com a Associação Brasileira de Automação Residencial e Predial (Aureside), atualmente existe uma média de 900 mil a 2 milhões de casas inteligentes no País – algo que em 2015 chegava perto de 300 mil. “Estamos em um momento de usar a casa. E, por causa disso, surgiram muitas necessidades novas, das quais a automação desempenha um papel extremamente importante”, diz o presidente da Aureside, José Roberto Muratori, citando como exemplo a conectividade e produtividade para o home office.
Para os idosos, trazer a tecnologia para a realidade do dia a dia é sinônimo de autonomia, com lâmpadas que acendem automaticamente ao sentir movimento a gavetas de remédios com sensores programados, que avisam o morador o horário da medicação. “A casa inteligente é aquela que simplesmente entende suas necessidades”, resume Flavia Ranieri.
Segundo ela, a única diferença da tecnologia para a terceira idade e para os mais jovens é que o primeiro grupo precisa de um suporte para começar a usar o sistema. “Mas se eles tiverem (essa ajuda), eles abraçam”, coloca a profissional que, desde 2017, trabalha com projetos especializados em gerontologia. Zilah é da mesma opinião. “Eu acho muito triste as pessoas acharem que a gente não sabe mexer com tecnologia. Eu sou formada em direito, fiz museologia e biblioteconomia, viajei pro exterior, adoro desenhar, escrever, ler; antes da pandemia tinha aula de inglês e de equitação. Com toda essa bagagem de informações, pelo amor de Deus, né?”, indaga ela.
Quanto custa
O novo cenário digital das casas é dividido em dois grandes grupos: automação de projeto e plug and play (conecte e use, em tradução livre). O primeiro é pensado, geralmente, antes das obras, uma vez que exige uma infraestrutura específica para integrar os sistemas. Já o segundo segue a linha do “faça você mesmo” e permite que o próprio morador realize as transformações inteligentes – o que tornou esse universo atraente até para leigos no assunto.
Com o aumento de produtos no mercado, o preço, que antes era inatingível para muitos, caiu – há produtos inteligentes por menos de R$ 50 no mercado – e mais empresas e usuários passaram a investir no conceito de automação. No entanto, o preço para criar uma casa inteligente varia muito.
Para uma casa de 100 m², a partir de R$ 450 é possível instalar um controle de quatro circuitos de iluminação e dispositivos que utilizam controle remoto, como ar-condicionado e televisão, de acordo com a empresa WDC Networks. Já com base nos produtos da linha Smarteck, da Steck, R$ 2 mil são suficientes para instalar interruptores internos, fechaduras e plugues inteligentes ao longo de toda a casa. Para projetos de automação completos, o valor fica em torno dos R$ 10 mil.
Como funciona?
“Quando falamos do acessível, ele tem alguns pilares: o de preço, o da linguagem – pois tudo está em português, desde o manual até o aplicativo – e o da instalação”, conta Nayara Diniz, gerente de produtos da Steck, empresa especializada em produtos inteligentes. Um deles é o Plugue Tomada, que consegue transformar qualquer objeto em inteligente e, assim, fazer com que eles sejam ligados por aplicativos no smartphone ou por comando de voz quando conectados com assistentes virtuais do Google ou da Amazon, por exemplo.
Dentre as vantagens de ter um smart speaker, seja ele o Nest (da Google) ou a Echo (da Amazon), é que eles podem funcionar como uma central de controle de todos os itens inteligentes da casa. Basta cadastrar cada um desses objetos no aplicativo referente. Além disso, o sistema de voz é algo mais intuitivo, o que facilita seu uso.
Por exemplo, a palavra “cineminha” pode ser programada para acionar diversos aparelhos instantaneamente: luzes, pipoqueira e televisão. Porém, isso exige alguma preparação. No caso da pipoqueira, ela precisa estar conectada em uma tomada inteligente – e com milho – para que a pipoca estoure. Em vez de usar palavras, é possível também programar horários para, assim, ter uma rotina com os aparelhos. Por exemplo, fazer com que de segunda a sexta, às 6h, a máquina de café ligue automaticamente.
Fazer esse planejamento com os aparelhos é o que transforma uma casa automática em inteligente. “Em uma casa automatizada você precisa acionar os dispositivos, mesmo que remotamente. Já em uma inteligente os dispositivos conversam entre si e atuam a partir de um modelo mais proativo, normalmente gerenciados por um sistema de inteligência artificial”, explica o professor em Ciência da Computação e doutor em Telecomunicações Mauro Margalho Coutinho.
Na região de Moema, na zona sul de São Paulo, a arquiteta Gabriela Prado rompeu com a ideia de que um projeto tecnológico deve seguir a paleta prateada, tão comum nos filme de ficção científica. Com tons neutros, detalhes em madeira e móveis que exalam conforto, o projeto de 70m² é inteiramente automatizado. Para ela, ter bons fornecedores foi essencial para a construção.
“Eu já tinha feito automação de som, de coisas separadas, mas dessa vez fiz tudo conectado. E eu não sabia como era isso. Então tinha alguém na obra para me dar o suporte, uma outra pessoa de automação que conferia se estava tudo certo. Isso foi fundamental”, conta.
Pensando nisso a WDC Networks criou a Casa Conectada, “um lugar para desmistificar a tecnologia da casa para a arquitetura e para o usuário”, segundo explica o CEO da empresa, Vanderlei Rigatieri. “Quando fomos estudar esse mercado mais a fundo, percebemos que a automação ainda era um produto de luxo. Então surgiu a ideia de criar um padrão de projetos e ter um lugar para falar diretamente com o público”, diz.
O sistema utilizado, o Z-Wave, não depende da internet – trata-se de um tipo de protocolo que usa ondas de rádio, diferentemente do Wi-Fi. Seria, numa explicação simplista, uma espécie de rede wireless específica (e exclusiva) para a casa. Além disso, os produtos têm baterias para que o morador não fique sem plano B caso acabe a luz, por exemplo. “É tudo pensado para que você tenha conforto e segurança”, pontua Vanderlei.
Outro termo atual que a casa inteligente traz é a sustentabilidade. Ela permite a visualização dos gastos de energia por meio de aplicativos e racionalizar os gastos. “Assim como um carro moderno que desliga o motor quando percebe que você parou em um semáforo e religa assim que você pisa no acelerador, uma casa inteligente perceberá que você saiu para fazer algo e deixou sua TV ligada. Ele poderá desligá-la e religá-la quando os sensores de movimento detectarem sua reaproximação do quarto”, explica Mauro.
Alguns estabelecimentos privados já começaram a usar a tecnologia como uma forma de evitar a transmissão da covid-19. Em Goiás, na turística cidade de Pirenópolis (a 140 km de Brasília e 120 km de Goiânia), a Ayla Smart House – imóvel que pode ser alugado por temporada -, conta com um sistema automático para garantir que seus hóspedes tenham o mínimo de contato possível nos objetos e superfícies da acomodação.
A tecnologia por comando de voz liga e desliga aparelhos, passa informações sobre a cultura e a história da cidade e até realiza o check-in, sem a necessidade do contato humano. Foram oito meses para deixar a casa preparada para receber os hóspedes, que podem ser lembrados de seus compromissos pelo Google Nest. Até o cafezinho fica pronto automaticamente – basta programar o horário e voilà.
Na casa de repouso Elissa Village, em Curitiba, além de garantir a segurança, a casa inteligente traz também autonomia para os idosos, o que facilita a locomoção e o dia a dia e dispensa a necessidade de um enfermeiro presente durante todo o tempo. “No banheiro, além do monocomando, eles têm o termostato para garantir a temperatura máxima da água. Também existem câmeras (com imagens pixeladas, para garantir privacidade) para detectar quedas”, conta a arquiteta Flávia Ranieri, que fez o projeto dos quartos do local.
Desde 1962, com o desenho Os Jetsons, sonhamos com a casa inteligente. Com o avanço das tecnologias, ela finalmente chegou. Para o presidente da Aureside, José Muratori, a verdade é simples: “Ela não é mais a casa do futuro. É a do presente”.