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Limites do Rubicão

Quarto poder, imprensa tem a obrigação de ser isenta, sem usar mágoas

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Autor/Imagem:
José Seabra - Foto de Arquivo

Meados de janeiro de 2023. A manhã corria tranquila na redação de Notibras. Os primeiros raios de sol atravessavam as grandes janelas, iluminando as mesas desorganizadas e os rostos concentrados dos jornalistas de nossa equipe. Lá estava este repórter, veterano na profissão, de integridade e ética inabaláveis ao longo de mais de 50 anos. Minha pré-escola no jornalismo foi no Correio Braziliense; a graduação veio logo depois, na sucursal Brasília da Folha de S.Paulo. Sempre fui dos que acreditam que a verdade é o alicerce do jornalismo e que qualquer desvio desse caminho soa como uma traição na correta transmissão da notícia.

Naquela manhã, porém, algo diferente pairava no ar. Eu, geralmente um dos primeiros a chegar, estava sentado em minha mesa com uma expressão sombria, olhos fixos no monitor do computador. Na tela, o artigo publicado no dia anterior. Um texto que, agora percebia, continha um erro grave.

A matéria, sobre a então governadora em exercício Celina Leão, acusava a vice de Ibaneis Rocha de manipular o tabuleiro político para assumir as rédeas do poder, quando a área da Segurança Pública da capital da República estava sob intervenção federal, fruto do frustrado golpe do dia 8 daquele mês. A notícia, equivocada, causou um alvoroço na cidade.

As acusações, baseadas em informações de uma fonte que considerava confiável, pareciam irrefutáveis. No entanto, durante a noite, uma nova evidência surgiu, provando que as acusações eram infundadas. A fonte havia se enganado; na pressa de publicar a notícia, não verifiquei os fatos como deveria. Deixei – um erro primário do exercício da profissão – de ouvir a própria Celina Leão.

Sentado em minha cadeira, senti o peso da responsabilidade. Sabia que havia falhado em meu dever. Cada palavra escrita carregava o poder de moldar opiniões, de influenciar vidas. E, nesse caso, eu havia ferido injustamente a reputação de alguém.

Levantei-me com determinação e reuni a equipe sob meu comando. Olhares curiosos me cercavam sob todos os ângulos. Sem hesitar, expliquei a situação, detalhando o erro e assumindo total responsabilidade. Discuti com meus colegas uma retratação. Ouvi, porém, que a governadora em exercício havia ingressado com uma ação na justiça para condenar-me por danos e perdas morais. Considerei, então, que se a retratação fosse publicada imediatamente, poderia ser interpretada como uma chantagem emocional, para que Celina supostamente recuasse de sua decisão. Mais dia menos dia, eu tinha certeza, a condenação viria. Mesmo porque – eu tinha consciência disso -, havia extrapolado a ética jornalística.

Meus colegas, cientes da minha honestidade, concordaram. No momento oportuno – como agora – a hora da retratação chegaria. Escrevi e reescrevi este texto ao longo dos últimos 16 meses. Chegou o dia de publicá-lo. Redigi com suspiros de alívio, com a mesma paixão e cuidado que dedico a todas as minhas matérias. Mas, desta vez, com um toque de humildade e arrependimento.

Minhas desculpas a Celina Leão aparecem como manchete de Notibras. A César o que é de César. Se dei destaque para acusar, nada mais justo do que destacar o pedido de desculpas. Errar é humano. Falhei. Mas insistir no erro, é burrice.

Essas palavras não são dirigidas apenas à vice-governadora, mas também a nossos leitores. Não tento, não pretendo, justificar nada. Apenas garantir que meus esforços serão redobrados para assegurar a precisão de futuros textos, mesmo tendo me dedicado desde fevereiro último, quando assumi a direção da Sucursal Nordeste de Notibras, a redigir crônicas quase diárias.

Tenho consciência de que naquele fatídico janeiro, atravessei açodadamente o Rubicão. Mas hoje, em Itapuama, no litoral pernambucano, mantenho um paraíso particular. Aguardei que este dia chegasse com uma caixinha de Kleenex no bolso. Não me falta coragem para admitir publicamente que errei. Como desabafei com um amigo, já estou vencendo o limite da terceira idade. Aprendi mais uma lição. Jornalismo é quarto poder, mas não é dono da verdade.

Notibras fecha este mês de junho comemorando seu Jubileu de Prata. Serve como lembrete de que a integridade não está apenas em evitar erros, mas também em saber corrigi-los com honestidade e transparência. A busca pela conquista da confiança é contínua. A ética de um jornalista está no reconhecimento da falha e redimir-se. A isso se chama dignidade.

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