Ah comparsa, parça, parceirinha, cumparsita fiadeumaégua, sacanagem de vosmecê ter puxado o carro! Me deixou numa merda de fazer gosto, ferrado e mal pago. Percanta marvada, por que vosmecê fez isso comigo? Os amigos também sumiram, acho que vinham aqui só pra xavecar vosmecê, cumparsita, aqueles cambuta, cambada de fiodamãe.
Até aquele cão fio de uma cã, que parava de comer quando vosmecê estava ausente, que sentiu sua falta tanto quanto eu, mais do que eu, me olhou com desdém, me deu uma mijadinha de desprezo na perna e deu no pé. Cachorro ingrato, eu comprava as mais caras rações pro parceirinho estar sempre bem de saúde…Foi embora, tchau e bença, adeus, good bye, au revoir, adiós. Dane-se, ô quatropata.
Ah, mas me vingo, cumparsita. Porque tudo isso é culpa de vosmecê. Estou compondo um tango da pesada, que vai se chamar, é claro, La cumparsita. E não vai ter imagens típicas de tango de corno, do tipo Oh, percanta, que fizeste do meu pobre coração? Nananinanão, vai é botar pra quebrar, chamar vosmecê de percanta fiadeumaégua, de cumparsita traidora, e por aí vai. Percanta é um termo tanguero para mulher amada, mas vou mudar a tradução, mantendo a rima, vou chamar vosmecê de “sacripanta” ou “sua anta”, ainda não decidi.
O difícil vai ser arranjar um cantor renomado que tope gravar meu tango herético, pode ser areia demais pro caminhãozinho do bajo fondo portenho. Mas, como dizem nos meus pagos, pra quem tá no inferno, ave maria é lenha. Vou partir pras cabeceiras, pedir a um tal de Carlos Gardel, dizem que ele canta bem…
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Conto inspirado no tango La cumparsita