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Apertem os cintos

Quebra de bancos mundo a fora indica que bolha enfim estourou

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Autor/Imagem:
Prabhat Patnaik/Via Pátria Latina - Foto Valter campanato

Não há nada de misterioso acerca das razões do colapso do Silicon Valley Bank e do Signature Bank nos Estados Unidos. Também não há nada de misterioso acerca das razões porque todo o sistema bancário do mundo capitalista ficou sob uma nuvem sombria: uma vez que uma parte do sistema colapsa, as outras partes dele ficam sobrecarregadas com ativos “tóxicos”, os quais são nada mais do que as responsabilidades da parte colapsada do sistema e, assim, tornam-se sujeitas a um “efeito dominó”. A verdadeira questão é: como é que o capitalismo norte-americano entrou numa situação em que o seu sistema bancário ficou sob tão grave tensão? Considerando que o colapso destes bancos, especialmente do SVB, não é um fenómeno interno mas sim o reflexo de uma contradição sistémica. Qual é exatamente esta contradição?

O fator imediato óbvio por trás do colapso de ambos os bancos é o aumento das taxas de juro. No entanto, limitar-nos-emos aqui apenas ao caso do SVB, uma vez que este salienta mais claramente a contradição sistémica: o caso do Signature Bank é bastante atípico, pois negociava com moedas criptográficas que são notoriamente instáveis.
Qualquer aumento das taxas de juro diminui ipso facto os preços das obrigações: o preço de uma obrigação é simplesmente o fluxo dos seus ganhos ao longo da sua vida útil, descontados à taxa de juro em vigor; e se a taxa de juro em vigor aumentar, então o mesmo fluxo nominal de ganhos dá um preço mais baixo para a obrigação. Agora, todos os bancos possuem uma gama de ativos dentre os quais as obrigações são bastante proeminentes. Um aumento das taxas de juro, portanto, ao baixar os preços das obrigações, reduz o valor dos ativos de um banco em relação ao seu passivo, o que coloca o banco sob tensão.

Qualquer esforço feito pelo banco para ultrapassar está tensão equivale a uma admissão aberta perante o mundo de que está pressionado e atua como um sinal para o público abandonar esse mesmo banco; o valor do seu capital próprio cai e isto, por sua vez, faz com que os depositantes entrem em pânico, os quais então retiram os seus fundos do mesmo. É isto que causa uma corrida bancária e provoca o seu colapso. O que é preciso notar é que quando um banco está sob tal pressão enfrenta perspectivas sombrias, independentemente do que faça: se não tentar quaisquer medidas corretivas, então está de facto a optar por enfrentar um colapso; e se tentar algumas medidas corretivas, então também há fortes probabilidades de poder enfrentar um colapso. O seu colapso sob tais circunstâncias não pode, portanto, ser colocado à porta do próprio banco; tem de ser explicado por fatores macroeconómicos que lhe são externos.

O argumento anterior pode sugerir que qualquer aumento das taxas de juro desencadearia um colapso bancário, mas isto obviamente não é verdade. Os movimentos de taxas de juro decretados pelo Banco Central ocorrem normalmente como pequenas alterações na margem; e no caso de um pequeno aumento da taxa de juro, a pressão sobre os bancos é gerível. Os bancos podem gerir esta pressão sem criar muito pânico no “mercado”. Mas quando a taxa de juro decretada pelo Banco Central é aumentada subitamente numa margem substancial, então é negada aos bancos a oportunidade de gerir qualquer desfasamento entre ativo e passivo de uma forma tranquila e ordeira.

E a taxa de juro dos EUA tem sido aumentada substancialmente nos últimos tempos. A Taxa de Fundos Federal aumentou de 0,25% em fevereiro de 2022 para 4,75% em fevereiro de 2023. Um aumento tão maciço num espaço de tempo tão curto torna impossível aos bancos gerirem os seus balanços sem sobressaltos. A verdadeira questão, portanto, é: porque é que o Federal Reserve Board (o equivalente do banco central dos EUA) tem estado a aumentar as taxas de juro desta forma?

A resposta básica é que, sob o neoliberalismo, a única arma disponível para a intervenção do Estado na economia é a política monetária. A política orçamental, que durante um longo período após a Segunda Guerra Mundial foi o principal instrumento de intervenção, recua ao pano de fundo sob o neoliberalismo. Os governos são forçados pelo capital financeiro globalmente móvel a colocar um teto nos seus défices orçamentais em relação ao PIB; e uma vez que qualquer tributação dos capitalistas e dos ricos em geral é tabu pela mesma razão, ou seja, por incorrer no desagrado do capital financeiro globalmente móvel, o esforço para estimular a atividade na economia assume exclusivamente a forma de redução das taxas de juro.

É verdade que os EUA não têm legislação de “responsabilidade orçamental” e não estão constrangidos, nem legalmente nem devido a qualquer receio prático de uma fuga financeira (pois tal fuga dificilmente pode verificar-se a partir de uma base segura como os EUA), a manter o seu défice orçamental sob controlo. Mas para os EUA, aumentar o seu défice orçamental a fim de estimular a atividade equivale a criar empregos no estrangeiro (uma vez que uma boa parte das despesas internas dos EUA “vaza” como procura de bens e serviços produzidos no estrangeiro), ao mesmo tempo que aumenta a sua dívida externa. Os EUA evidentemente ampliaram o seu défice orçamental maciçamente durante a pandemia, um facto ao qual alguns atribuem a atual inflação americana; mas isso foi só sob a sombra de uma pandemia. Durante um período muito longo após o colapso da bolha imobiliária, o instrumento primário utilizado para estimular a economia foi a descida da taxa de juro para níveis excessivamente baixos, de facto para níveis próximos de zero.

A bolha habitacional colapsou em 2008. Desde fins de 2009, até 2022, permaneceu presa a mais ou menos 0,25%, para além de um breve interlúdio entre 2016 e 2020, quando a Taxa de Fundos Federais foi aumentada por fases até um máximo de cerca de 2%. Este período extraordinariamente longo de dinheiro extraordinariamente barato, ao reduzir os riscos para os oligopolistas americanos de aumentar a margem de lucro e os preços, contribuiu certamente para a inflação atual; mas não chegou a empurrar a economia dos EUA para um nível suficientemente elevado de emprego.

É verdade que a taxa oficial de desemprego dos EUA caiu para um mínimo de 4%, mas houve simultaneamente uma redução na taxa de participação da força de trabalho; a taxa de desemprego calculada assumindo que a taxa de participação da força de trabalho continuou ao mesmo nível de meados de 2008, permaneceu elevada durante todo o período após 2008. E quando a inflação atacou, a taxa de juro foi elevada enormemente e de modo súbito. A razão para esta flutuação aparentemente irracional da política monetária, este movimento de iô-iô na taxa de juro, reside, portanto, no facto de que sob a hegemonia da finança globalmente móvel, dificilmente há qualquer outra alternativa. Em suma, está aparente irracionalidade não decorre não de qualquer capricho por parte do governo; ela decorre da hegemonia da finança global.

O impacto adverso de tais flutuações selvagens é agravado por um segundo fator. Quando a taxa de juro cai e os preços das obrigações aumentam, quer isto tenha ou não qualquer impacto estimulante na economia, pelo menos não representa qualquer ameaça para o sistema bancário. Um aumento do valor dos ativos de um banco não o prejudica de forma alguma. Mas quando a taxa de juro sobe e os preços das obrigações caem, o valor dos ativos de um banco cai em relação ao valor dos seus passivos – isto dispara reações no “mercado” que podem empurrar o banco para a inviabilidade. Esta assimetria entre o efeito sobre um banco de uma queda da taxa de juro e o de uma subida, atua ainda mais para minar o sistema bancário.

Não é apenas o sistema bancário americano, mas o sistema bancário de todo o mundo capitalista que está ameaçado pelo acentuado aumento da taxa de juro que está a ocorrer por toda a parte como resposta política oficial à inflação. Mesmo um banco tão conhecido como o Credit Suisse enfrentou também tardiamente um colapso nos preços das suas ações e está a ser tomado pelo seu rival UBS.

Além disso, a ameaça ao sistema bancário do mundo capitalista não atingiu, de modo algum, um patamar. O Federal Reserve Board estava a planear aumentar ainda mais as taxas de juro a fim de conter a inflação. Ele agora pode ir um pouco mais devagar devido ao colapso dos dois bancos estado-unidenses. Mas não tem outra opção senão aumentar as taxas de juro pois a inflação continua a persistir, uma vez que a única forma de combater a inflação sob o capitalismo é pela geração de desemprego. E isto é tipicamente efetuado hoje em dia por um aumento das taxas de juro. À medida que o capitalismo se afunda em crise, as manifestações dos trabalhadores por toda a Europa sublinham ainda mais o beco sem saída a que ele chegou na sua fase neoliberal.

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